O presidente
da Turquia, Recep Tayyp Erdogan, pirou! Não só comprou briga com Donald Trump,
mas ordenou os turcos a trocarem os “dólares, euros ou ouro sob os seus
travesseiros” por sua lira, a moeda que só este mês perdeu um terço de seu
valor e cerca de 50% desde o começo do ano.
A resposta do
mercado foi outro tombo da lira. Um tombo que ressaltou as tragédias de
Erdogan, como homem e a Turquia, como país. Mas a maior tragédia mesmo está no
fracasso histórico do mundo muçulmano em produzir economias modernas.
Erdogan ultrapassou
a arrogância dos Sultões, a paranoia de Stalin, a esquizofrenia de Hitler e até
a piromania de Nero. Ele se transformou num ditador absoluto, prendendo
milhares de inimigos e críticos antes de incendiar a lira e destruir a economia
turca.
Em 2005, em
seu primeiro mandato como primeiro ministro ele eliminou seis zeros da antiga
lira, que havia entrado no livro de recordes Guinness como a moeda de menor
valor do mundo. Erdogan na ocasião disse que: “Estava muito feliz em livrar a
Turquia dessa vergonha, de notas multi-zeradas”. Mas agora ele não só defende o
dinheiro barato, mas nomeou seu genro como ministro das Finanças, e ordenou o
banco central a não elevar as taxas de juros da moeda.
E tudo isso
por causa de seu monstruoso ego.
Vou fazer um pequeno
resumo da história. Na sua ascensão política Erdogan recebeu o apoio de um clérigo
muçulmano chamado Fettullah Güllen.
Este clérigo tem ideias radicais e é contra uma Republica Turca secular e
moderna. Seguindo a filosofia do comunista Antonio Gramsci ele colocou crianças
inteligentes, mas pobres em sua rede de escolas, programando-as para entrar em
todos os níveis da sociedade turca como no exército, no judiciário, na política,
na mídia, nos sindicatos. Mas ele não parou por aí. Ele começou a exportar suas
ideias e construiu um império com relacionamentos tanto no ocidente como na Ásia.
Em 2001 Güllen conseguiu a residência nos Estados Unidos aonde mora até hoje e
de onde prega via mídia social.
Em dezembro
de 2013, quando Erdogan estava fora do país, promotores, juízes e chefes de
polícia seguidores de Güllen soltaram fitas gravadas que revelavam um grande
esquema de corrupção que levaram à acusação de 14 ministros por propina,
fraude, lavagem de dinheiro e contrabando de ouro.
Güllen assim
se tornou inimigo numero 1 de Erdogan. Logo Erdogan demitiu centenas de
funcionários públicos simpatizantes de Güllen. Em 2015, 122 suspeitos junto com
Güllen foram indiciados por supostamente criarem um grupo terrorista. E assim a
Turquia pediu a extradição de Güllen, negada pelos Estados Unidos. Em 2016,
veio então o suposto golpe contra Erdogan enquanto ele estava de férias.
Na época, eu
disse aqui que o chamado “golpe”
parecia algo planejado e coordenado por Erdogan. Incrível que hoje ninguém
contesta o golpe. A chamada do povo às ruas através da mídia social e a prisão simultânea
de milhares de militares, juízes e acadêmicos em apenas dois dias? Como ele
conseguiu indicações de culpa de 36 mil pessoas em 48 horas, incluindo 99
generais? Para um país membro da OTAN, ter 99 generais que não conseguiram executar
um golpe quando o chefe estava fora da cidade, é mais vergonhoso do que os
zeros na moeda! O número de pessoas presas
por Erdogan nos dias e meses seguintes subiu para 160 mil pessoas! Uma
verdadeira limpeza de qualquer um que chegou a pensar em criticar o novo sultão.
Vendo que os
Estados Unidos não entregavam Güllen, Erdogan resolveu então prender o pastor evangélico
Andrew Brunson que por 20 anos liderou uma pequena igreja na cidade de Izmir na
costa oeste da Turquia. Brunson foi acusado de espionagem e de tentar converter
muçulmanos curdos ao cristianismo. Brunson nega categoricamente as acusações
que podem acarretar em até 35 anos de prisão.
Trump exigiu
a soltura do pastor americano, mas Erdogan deixou claro que quer Güllen em
troca. Trump então dobrou o imposto de importação do alumínio e aço da Turquia
causando a moeda turca despencar. Erdogan tentou retaliar dobrando as tarifas
de importações de carros, álcool e tabaco americanos, mas isso foi um tiro no
próprio pé, pois os importados já estão pela hora da morte na Turquia.
Mas como
disse, a grande tragédia da Turquia é algo bem maior que o homem Erdogan. O que
está se desfazendo é a esperança de que a Turquia inspirasse a modernidade
econômica em outros países muçulmanos.
O mau
desempenho econômico do mundo muçulmano é um fato estatístico. O PIB per capita
é de apenas US$ 16 mil dólares, contra US $ 27.330 de 50 países europeus e $38.877
de 36 estados membros do OECD.
E se tirarmos
deste numero baixo os PIBS astronômicos dos petro-estados como Qatar e Kuwait, o
nível da crise das economias muçulmanas se torna evidente, forçando a questão:
por que eles estão para trás?
A Revolução
Industrial aconteceu na Europa e a colocou à frente. No entanto, outros países logo
tentaram recuperar o atraso: o Japão fez isso no século 19, depois vieram a
Coréia, o Brasil, a China, a Índia e outros. O mundo muçulmano ficou para trás,
com uma exceção: a Turquia.
Desde a queda
dos otomanos, a Turquia tornou-se gradualmente uma sociedade totalmente
industrializada, um respeitado fabricante e exportador de produtos automotivos,
e a 17ª maior economia do mundo. A Turquia, assim, sempre foi excluída dos
estudos sobre a crise econômica dos países muçulmanos. Alguns destes estudos culpam
a falta de liberdade de imprensa, como uma ameaça à fé; outros pela demora da
lei islâmica em reconhecer corporações como uma entidade legal, outros a
impossibilidade das empresas de transcenderem os clãs e as tribos.
O denominador
comum entre todos é a recusa em compartilhar poder.
A Turquia do
século passado construiu uma democracia funcional com um poder judiciário
independente, uma imprensa livre, leis pró-negócios, grandes bancos,
seguradoras e corporações industriais, pesquisando livremente universidades e
uma comunidade vibrante de romancistas opinativos, poetas, cineastas e críticos
sociais.
Muito disso
já se foi, pois Erdogan, no espírito das normas muçulmanas medievais, se recusa
a tolerar a independência de qualquer instituição. É por isso que depois de
decapitar as forças armadas, os tribunais, a mídia, o parlamento e o gabinete,
ele se voltou para a última agência independente, o banco central, cuja
desativação acabou de acontecer.
Infelizmente,
para Erdogan é insuportável ceder o poder. E assim, como os sultões medievais,
Erdogan cala os especialistas, sufoca a independência institucional e inspira
uma cultura de obediência e nepotismo, que são tão bons para a economia quanto
o colesterol é para o coração.
Mas Erdogan
não pode esquecer que foi eleito em grande parte por causa do sucesso da economia
turca. E que ao tentar restaurar a glória do império otomano, ele a está empurrando
para o precipício.
Os mesmos
líderes árabes que rejeitaram o exemplo econômico da Turquia acabaram enfrentando
a ira social que derrubou os líderes do Egito, Tunísia, Líbia e Iêmen e
desencadearam várias guerras civis. Agora, não tendo conseguido influenciar o
Oriente Médio árabe, a Turquia o está imitando, marchando para um abismo de
dívidas, déficits, falências e demissões.
A violência,
a julgar pelos precedentes regionais, é apenas uma questão de tempo. É triste e uma tragédia que
líderes como Erdogan acabem destruindo suas nações por causa de suas batalhas
pessoais de orgulho e ego.