Em 2010, um virus de computador chamado de Stuxnet atingiu o Irã, especificamente a usina nuclear de Natanz. O Stuxnet eliminou cerca de mil centrífugas fazendo-as aumentar e diminuir a velocidade, criando vibrações que no final as destruíram.
O dano ao programa nuclear do Irã foi tão
sério que Israel reavaliou o prazo para o Irã enriquecer suficiente urânio para
uma bomba, de um para quatro anos. Aí, em julho do ano passado, o Irã foi
atingido por uma série de explosões, incluindo uma em Natanz. Os especialistas
estimaram que 3/4 das centrífugas que estavam acima do solo foram destruídas. O
programa nuclear do Irã foi atrasado em mais um ou dois anos.
E esta semana, antes que o Irã pudesse se recuperar dos danos causados pela explosão de
julho, e menos de um dia após começar a operar centrífugas novas e avançadas em
Natanz, a rede elétrica local e seu sistema de reserva foram destruídos, junto
com um grande número de centrífugas. Estima-se que o último ataque tenha
adicionado nove meses ao prazo que o Irã precisa agora para chegar ao seu
objetivo.
Há algo sobre a usina de Natanz, que nem
mesmo a transferencia da maioria das centrífugas para baixo da terra conseguiu
impedir as ações de Israel.
Mas há diferenças importantes entre os dois
primeiros ataques e o desta semana, e elas indicam uma mudança de tática por
parte Israel.
Nos dois ataques anteriores, em 2010 e
2020, havia ficado claro, se não explicito, que as ações tinham sido conjuntas
Israel e Estados Unidos. O Stuxnet teria
sido um projeto conjunto da Agencia Nacional de Segurança dos Estados Unidos e
da Unidade 8200 do exército de Israel, sancionado pela administração Obama para
impedir um ataque militar israelense direto ao Irã. Além disso, uma sabotagem
forçaria o Irã a voltar à mesa de negociações.
A explosão em Natanz de julho do ano
passado foi parte de uma estratégia que, junto com a campanha de sanções
máximas, os Estados Unidos e Israel esperavam reverter o programa nuclear do
Irã.
Neste último ataque, no entanto, a Casa
Branca de Joe Biden foi rápida em se distanciar dos danos causados em Natanz. A
secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki foi enfática ao dizer que os
Estados Unidos “não se envolveram de forma alguma”.
Autoridades
em Washington disseram ao The Wall Street Journal que não foram avisados sobre
o ataque a Natanz - outro sinal que os Estados Unidos não querem o envolvimento.
Mas o ataque
da semana passada ocorreu e ocorreu apenas dias após o início das negociações
nucleares indiretas entre os EUA e o Irã em Viena, para o retorno dos dois
países ao Plano de Ação Conjunto Global de 2015, que colocava limitações ao
programa nuclear do Irã até 2030, em troca do levantamento gradual das sanções.
Também
ocorreu no momento em que o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd
Austin viajava a Israel, na primeira visita de um membro do gabinete Biden.
Na segunda-feira, e apesar de Israel não
ter reinvidicado o ataque e ter mantido o silêncio, o ministro das Relações
Exteriores iraniano, Javad Zarif, escreveu uma carta irada ao secretário-geral
da ONU, António Guterres, dizendo que Israel tinha cometido um "grave
crime de guerra" para inviabilizar as negociações nucleares, e advertiu
que "o terrorismo nuclear” não iria pressionar o Irã nas negociações.
No dia
seguinte, o Irã anunciou que começaria a enriquecer urânio a 60% e isso foi
confirmado pela Agencia Internacional de Energia Atômica há algumas horas
atrás. Logo o Irã estará mais próximo do que nunca dos 90% de pureza
necessários para uma bomba nuclear.
As negociações de Viena podem não ter sido
o fator que decidiu a hora de atacar Natanz. A operação começou muito antes do
anúncio das negociações. O momento que Netanyahu e outros decidem é quando
falar sobre as operações.
Nem Israel
nem os EUA admitiram abertamente seu envolvimento nos ataques anteriores de
Natanz. Edward Snowden, que vazou o
material da Agencia de Segurança Nacional americana afirmou que o Stuxnet foi
um projeto americano-israelense, e analistas de fora dos governos disseram o
mesmo. Mas quando se tratava de admissões oficiais em Washington ou Jerusalém,
a mídia só recebia sorrisos.
Desta vez
também, Israel não assumiu a responsabilidade pelo ataque. Mas o que foi
incomum é que vários veículos de notícias israelenses relataram em poucas horas
que havia sido uma operação do Mossad. Ao mesmo tempo, Netanyahu e o chefe de
gabinete do IDF, Aviv Kohavi, aludiram sobre o envolvimento israelense.
Netanyahu declarou
que “a luta contra o Irã, seus representantes e armamentos é uma missão enorme.
A situação que existe hoje pode não ser a situação amanhã. ”
Kohavi disse
que “as ações do exército de Israel em todo o Oriente Médio não estão
escondidas de nossos inimigos. Eles estão nos observando, vendo nossas
habilidades e pesando cuidadosamente os próximos passos.” Além disso Kochavi
falou de “atos complexos e sofisticados” para proteger Israel.
O ataque de
Natanz e esses comentários não vêm no vácuo. Eles fazem parte de uma campanha
contínua, na surdina, operada em vários teatros, de "guerra entre guerras".
Desde 2019,
o mar tem sido um importante teatro para esta guerra não declarada entre Israel
e o Irã, com Israel atacando discretamente os petroleiros iranianos em sua maioria
indo para a Síria, e o Irã atacando navios de propriedade israelense. Há a
alegação do Ministério de Proteção Ambiental de que o Irã despejara petróleo
intencionalmente perto da costa israelense causando um sério dano ambiental. Na
semana passada, uma mina explodiu danificando o navio iraniano Saviz, que
servia como base no Mar Vermelho para o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica.
Em terra,
Israel esteve por trás do assassinato do cientista-chefe do programa nuclear do
Irã, Mohsen Fakhrizadeh, e um grupo ligado ao Irã tentou bombardear a Embaixada
de Israel na Índia. No ar, Israel tem bombardeado regularmente agentes
iranianos que operam perto da fronteira com a Síria.
No espaço
ciber, além do Stuxnet, a explosão de Natanz do ano passado também foi desencadeada
por um ataque cibernético. Isto foi seguido pela tentativa do Irã naquele mesmo
mês de invadir o abastecimento de água de Israel para colocar cloro em excesso
e envenenar israelenses.
E esta não é
uma lista abrangente.
No passado Israel
foi muito mais ambígua sobre suas operações. E porque a mudança agora? Porque
pelo menos implicitamente sair das sombras?
A idéia é
que Israel está vendo a necessidade agora de enviar uma mensagem não só ao Irã,
mas também aos Estados Unidos de Joe Biden. Que presidentes americanos podem ir
e vir mas Israel não hesitará um só momento para agir e se defender. Independentemente
de quem está sentado na Casa Branca e se esta pessoa tem outros planos, como por
exemplo, voltar a um acordo que Israel considera profundamente falho a ponto de
ser perigoso, Israel não pretende ficar parado enquanto o Irã se empenha em
obter uma arma nuclear.
Ou, como Netanyahu disse no Dia da Memória do Holocausto: “Um acordo nuclear com o Irã está novamente na mesa, mas a história nos ensinou que acordos com regimes extremistas são inúteis. Aos nossos melhores amigos, eu digo: um acordo com o Irã que abre caminho para armas nucleares que nos ameaçam de destruição – este é um acordo que não nos vinculará.
“Hoje temos
um estado, temos o poder de nos defender e temos o direito natural e pleno,
como estado soberano do povo judeu, de nos proteger de nossos inimigos”.
Muitos
oficiais aposentados da inteligência israelense ficaram visivelmente
contrariados com estas revelações. E isso é compreensível. Eles estão
acostumados a guardar segredos como estes a sete chaves.
Mas o fato do
mundo ver o que Israel é capaz tem suas vantagens especialmente com o Irã
correndo para a nuclearização. Levar o crédito de ataques sofisticados neste
caso, não é um passo em falso, mas um aviso para seus inimigos.