Sunday, February 27, 2022

O Sangue da Ucrânia nas Mãos de Putin ... e do Ocidente - 27/02/2022

 

Hoje é o quarto dia da brutal, injusta, expansionista invasão da Ucrânia pela Rússia. E o fracasso das democracias ocidentais em chegar a um consenso sobre como deter Moscou, alguns dias depois da invasão, mostra que a ordem mundial liderada pelos Estados Unidos está se desfazendo.

Isso porque – apesar de meses de advertências – a Rússia foi em frente com seu ataque sem medo das consequências. O mundo, sem aprender com a história, novamente perdeu seu tempo com o apaziguamento inútil de um líder selvagem que não dá qualquer valor à vida humana, e que se considera o novo Czar da Rússia.

Até a semana passada, o ministério das relações exteriores russo negava qualquer invasão, falando da paranoia do ocidente, afirmando estar apenas fazendo “exercícios” na fronteira. E o mundo não se moveu.

A coisa mais extraordinária sobre este ataque à Ucrânia é que foi feito sem sequer um ultimato ou qualquer razão. As absurdas desculpas que Putin usou dizendo que o ataque era para defender a Ucrânia da expansão da OTAN ou proteger os ucranianos da “nazificação” e “genocídio” quando o próprio presidente da Ucrânia é judeu, foram imediatamente descartadas pelo ocidente.

Mas o pior é que a Rússia atacou também sem medo de repercussões. Desde o início, a Europa e os Estados Unidos deixaram claro que não enviariam tropas. A Alemanha fez um gesto grotesco de enviar mil capacetes para a Ucrânia. Aproveitando a deixa, em uma transmissão inusitada no primeiro dia da invasão, Putin ameaçou qualquer um que interferisse. Ele declarou que “quem tentar nos impedir, ou criar ameaças ao nosso país, ao nosso povo, deve saber que a resposta da Rússia será imediata. E irá gerar consequências que nunca encontraram em sua história”.

E vindo de um louco como Putin, esta ameaça deve ser levada a sério. Ele não só tem um arsenal nuclear imenso, mas tem um exército equipado e treinado.

Em 12 de julho do ano passado, Putin publicou uma tese intitulada “Sobre a Unidade Histórica dos Russos e Ucranianos”, no qual ele afirma que os russos, ucranianos e bielorrussos são um só povo, pertencentes à nação russa. Ele nega a existência da Ucrânia como uma nação independente. Ninguém no Ocidente condenou esta publicação e outra importante lição histórica foi perdida: tiranos sempre contam exatamente o que eles pretendem fazer, exatamente como Hitler o fez, com o Mein Kampf, publicado 14 anos antes dele invadir a Polonia.

E apesar do inusitado apoio mundial à Ucrânia, há ainda alguns que defendem as ações de Putin, com argumentos descabidos e mentirosos.

Ouvi um “professor” dizer que Putin estava justificado já que a OTAN o estava ameaçando. Isto é uma asneira. A OTAN é um tratado de defesa que diz que um ataque a um é um ataque a todos. Países precisam pedir para se juntarem à OTAN. E sim, depois da queda do muro de Berlin, a OTAN, que tinha 16 países, recebeu outros 14 países, todos saídos da esfera de influência da falecida União Soviética.

Há uma razão pela qual estes estados pediram para serem membros da OTAN: porque eles não querem nunca mais ficar embaixo da bota Russa. A Finlândia e a Suécia que não são membros da OTAN, vendo o que Putin está fazendo, já pediram para se unirem à organização. Ao que Putin respondeu que eles iriam pagar caro se o fizessem. Que direito tem Putin de ditar a países independentes se eles podem ou não assinar algum tratado? Claramente não é a OTAN que está ameaçando Putin, mas justamente o contrário.  

Outros afirmam que russos e ucranianos são um mesmo povo. Nem Putin acredita nisso, já que ele mesmo, como oficial da KGB, sabia do programa que durante décadas tentou suprimir a língua e cultura ucranianas e de outros países subjugados por Stalin. E se isso fosse verdade, os ucranianos estariam recebendo seus irmãos russos de braços abertos e não com coquetéis Molotov.

Putin é um megalomaníaco que se preparou bem para esta incursão, mas talvez não calculou bem suas consequências. Ele já está com quase 70 anos e no poder desde 1999. Ele quer entrar para a história como aquele que restaurou a grandeza territorial da Rússia. Para ele, o maior desastre do Século XX foi o colapso da União Soviética.

Outra justificativa que ouvi foi o fato de a Ucrânia ter um grande arsenal nuclear e isso faz a Rússia se sentir ameaçada. Sim, até 1994 a Ucrânia tinha um arsenal nuclear. Só que naquele ano, através do Memorando de Budapest, ela concordou em entregar tudo em troca de “seguranças” de que sua independência, soberania e fronteiras seriam respeitadas pela Rússia. Mentira. A Rússia invadiu e anexou a península da Criméia em 2014 e o mundo nada fez. O tom de arrependimento não poderia ser mais claro na voz do deputado ucraniano Alexey Goncharenko ao relembrar como seu país desistiu de armas nucleares em troca de garantias de “segurança” da Rússia.

Agora, se perceberem, toda vez que os Estados Unidos têm um governo fraco, um governo democrata mais preocupado com o aquecimento global do que a segurança nacional, Putin avança.

Com o final do governo Bush e a eleição certa de Obama, ele invadiu a Georgia em 2008, cometendo crimes de guerra e causando mais de 200 mil pessoas a fugirem de suas casas. Desde 2005 a Georgia quer se unir à OTAN porque acredita que isso seria uma garantia de estabilidade pois considera a Rússia uma vizinha perigosa. Em 2019, Sergey Lavrov, o ministro do exterior da Rússia fez uma ameaça velada se a Georgia fosse aceita como membro, apesar de 77% da população da Georgia ter votado a favor, no referendo sobre a OTAN.

O mundo, e o povo da Ucrânia até agora surpreenderam Putin. Ele achou que tudo duraria 2-3 dias. Estamos no 4º dia e os russos não tomaram nenhuma cidade importante da Ucrânia. Ele também não calculou a condenação em peso à esta guerra. Ele achou que o mundo daria de ombros como o fez com a Criméia em 2014. Isto porque Putin tem na mão hoje a chave da energia da Europa e dos Estados Unidos.

Esta verdadeira loucura que é a obsessão com o aquecimento global, fez com que Biden fechasse todas as fontes de energia dos Estados Unidos. Ele suspendeu a construção do Oleoduto Keystone em seu primeiro dia como presidente, proibiu a prospecção privada de petróleo e fechou as minas de carvão. Para fazer face à demanda americana Biden se ajoelhou para a OPEC e para a Rússia exportarem petróleo e gás para os Estados Unidos. E então, de autossuficiente e até exportadora de energia, a América passou a ser dependente da Rússia em menos de um ano. E para não perder a oportunidade, Biden também autorizou o gasoduto entre a Russia e a Alemanha (Nord Stream 2). A Europa, principalmente a Alemanha é hoje 90% dependente de energia da Rússia. E isso deu ímpeto a Putin para realizar suas ambições.

Além disso, Israel e a Grécia haviam assinado um acordo para construir o gasoduto EastMed, ligando o campo Leviathan ao Aphrodite para fornecer gás natural para a Europa. Em janeiro, Biden avisou que não mais apoia a construção do gasoduto, sem nem mesmo consultar Israel ou a Grécia.  

Mas a conduta de Putin foi tão além dos limites, que mesmo atrelados com a Rússia, o mundo resolveu impor sanções. Mas Putin já sabia que isso iria acontecer e se preparou. Desde 2014 ele está trabalhando para separar sua economia dos sistemas ocidentais. Ele antecipou que a maior sanção, o banimento dos grandes bancos russos do sistema SWIFT que permite transações e pagamentos internacionais seria usada pelo ocidente. A Rússia então desenvolveu seu próprio sistema e junto com o sistema chinês ele pode evadir esta sanção.

Outras sanções podem causar muito desconforto, mas elas demoram para fazer efeito e isso não evita as mortes de hoje na Ucrânia. Os ucranianos querem ser ucranianos. Eles não querem ser russos. E é por isso que estamos esta resistência heróica do povo ucraniano.

Não se enganem. A Rússia está aproveitando o governo fraco dos Estados Unidos para impor uma nova ordem mundial no estilo russo, criada por Moscou. Chegou a hora de darmos um basta porque nossa indiferença fez com que hoje, não é só a Rússia, mas outros países nem fingem ter algum pretexto para a guerra, eles apenas invadem. A Turquia invadiu e etnicamente limpou os curdos de Afrin na Síria e depois atacou outras partes da Síria com impunidade. Não havia chance de que os curdos pudessem retaliar.

E isso acontece de novo e de novo. Há impunidade total. O que vemos são países que aplicam as “regras” e o “conselho de direitos humanos”, aos outros, mas não a eles próprios. No meio da crise, um dia antes da invasão, a Rússia abriu a sessão do Conselho de Segurança da ONU para discutir as violações de Israel. Onde está a ONU hoje em relação à Ucrânia? Não há direitos humanos sendo aplicados; há apenas países que escolhem bombardear e depois países e pessoas que são bombardeados.

O Ocidente acredita na diplomacia como forma de evitar conflito. Mas as soluções diplomáticas parecem nunca funcionar. A diplomacia é uma casca vazia; as bombas passam direto por ela; como vimos na Ucrânia. Embora se fale de uma “ordem internacional baseada em regras”, nenhuma das regras é aplicada.

Biden disse há dois anos que enfrentaria a Rússia e prometeu no ano passado que os EUA estariam “de volta” ao cenário mundial. Ele disse durante sua campanha que “Vladimir Putin não quer que eu seja presidente. Ele não quer que eu seja nosso candidato... Se você está se perguntando por que – é porque eu sou a única pessoa neste campo que já esteve de igual para igual com ele.”

Putin só atacou porque Biden hoje é o presidente. Isso nunca teria acontecido com Trump. Kyiv está sob ataque, seu presidente Vladimir Zelensky é o alvo número 1 de Putin. Vamos protestar, parar de comprar a vodka russa e outros produtos e mandar uma clara mensagem que desta vez o bully sairá com o rabo entre as pernas.

Sunday, February 20, 2022

O Tiro da Anistia Internacional Sai Pela Culatra - 20/02/2022

 

Há dois domingos, discuti aqui o relatório antissemita da Anistia Internacional sobre Israel, que concluiu que o Estado Judeu pratica o Apartheid contra os palestinos. Para chegar nesta conclusão, ela juntou Israel com a Judeia, Samaria e Gaza num só território, negando qualquer papel ou controle da Autoridade Palestina ou do Hamas sobre estas áreas. E a acusação não se atém aos anos pós-1967 quando Israel conquistou a Judeia, Samaria e Gaza. Não. A acusação remonta a 1948. Para a própria criação do Estado de Israel.

O relatório nem discute os mísseis vindos de Gaza sobre a população civil de Israel e omite as insanas violações de direitos humanos cometidas pelo Hamas e a Autoridade Palestina. Em junho do ano passado, policiais de Mahmoud Abbas no meio da noite, invadiram a casa de Nizar Banat, um ativista palestino e marceneiro, que denunciava regularmente a corrupção dos líderes palestinos, inclusive em relação à vacina da Covid.

Banat foi brutalmente surrado e morreu antes de chegar ao hospital. Milhares de palestinos foram às ruas protestar e a insatisfação com Mahmoud Abbas e seus capangas não para de crescer. A Autoridade Palestina está tentando subornar a família, oferecendo milhões de dólares por seu silêncio. Um primo de Nizar que assistiu a chacina, foi preso para não testemunhar no julgamento dos policiais, que é claro, estão livres para continuar a repressão dos que levantam a voz contra Abbas.

E a Anistia Internacional? ficou calada sobre esta verdadeira violação de direitos humanos publicando apenas uma fraca recomendação em seu site, por “transparência” sobre o assassinato de Banat, enterrada numa página interna, que você encontra somente fazendo uma busca específica.

Mas não é só a Anistia Internacional. Nos últimos dois anos, dezenas destas organizações não-governamentais (ONGs), supostamente envolvidas na defesa de direitos humanos, se uniram em uma campanha para acusar Israel de apartheid. Este termo ofensivo, usado levianamente por elas, visa avançar uma narrativa de imoralidade israelense sem paralelo na história. Ao longo do caminho, essas ONGs esperam promover a demonização de Israel por meio de BDS e guerras legais, inclusive no Tribunal Penal Internacional (TPI).

E o objetivo de tudo isso? Primeiro é o de angariar dinheiro. Estas ONGs conseguem milhões e quanto mais radicais mais dinheiro elas conseguem. Elas falam da ocupação israelense da Judeia e Samaria e de Gaza (apesar de Israel ter saído da Faixa em 2005), tratando todos, junto com Israel própria como uma única entidade discriminatória. A única solução possível então para Israel fugir da definição de Apartheid é de desmantelar o Estado judeu. Isso negaria ao povo judeu o direito de autodeterminação em sua terra ancestral. E esta é a definição de Antissemitismo.

Uma vez que Israel não fará isso e a comunidade internacional não quer o conflito que viria junto com tal desatino, estas ONGs estão prestes a perder sua credibilidade totalmente.

Mas apartheid não é o pior que aparece nestas publicações, não só da Anistia, mas da Human Rights Watch e da B’Tselem:  Nos relatórios destas ONGs aparecem também os termos supremacia judaica e dominação judaica. Esses termos ecoam a linguagem antissemita usada pelo Terceiro Reich, pelo Partido Nazista e pelos neonazistas contemporâneos.

O tropo da supremacia judaica, um termo antissemita encontrado no título do relatório do apartheid de B’Tselem, era regularmente usado durante o Terceiro Reich. Livros sobre o poder judaico, imperialismo judaico e dominação mundial judaica foram distribuídos na Alemanha antes da Segunda Guerra Mundial, propagando a crença de que a supremacia judaica seria derrotada por um salvador: nenhum outro que Adolf Hitler. A frase era frequentemente usada para doutrinar jovens alemães, proclamando que “Hitler quebraria a supremacia judaica com seu movimento”.

Em 1940, após a estreia do filme de propaganda antissemita nazista “O Judeu Eterno”, o Serviço de Segurança do Reich publicou um memorando sobre o filme, afirmando: “As representações cartográficas e estatísticas sobre a disseminação do judaísmo e sobre a expansão de sua influência em todas as áreas da vida e em todos os países do mundo é real” - (a comparação com os ratos foi enfatizada como particularmente impressionante), condenando ainda a aceitação dos judeus pelos Estados Unidos.

Em 2003, David Duke, o principal supremacista branco dos Estados Unidos, afirmou: “A verdade é que os sionistas não apenas buscam a supremacia judaica sobre os infelizes palestinos; eles buscam a supremacia sobre todos nós, não importa qual seja nossa raça ou nacionalidade. Não é apenas na América que eles buscam a supremacia, é o Canadá, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Rússia e todas as outras nações do mundo.”

As semelhanças entre a propaganda nazista e a retórica das ONGs que angariam milhões de dólares por ano para supostamente defender direitos humanas, são no mínimo estranhas. Elas não baseiam suas afirmações em nenhuma pesquisa, documentação ou prova sobre a supremacia judaica. Imaginem que 80% de 800 entrevistados em uma pesquisa no Twitter acreditaram que uma citação sobre a dominação judaica retirada do Mein Kampf de Hitler tinha saído do relatório do apartheid da Anistia.

A boa notícia é que de duas semanas para cá, os esforços da Anistia Internacional saíram pela culatra. Foram desde um importante diretor da Anistia acidentalmente minar a alegação de apartheid de sua organização dizendo que só Israel e Myanmar foram investigados por este ângulo, a democracias rejeitando abertamente o relatório (e até mesmo alertando o grupo para não atiçar as chamas do antissemitismo) como a Australia, Áustria, República Checa, Alemanha, Inglaterra e os Estados Unidos. O presidente da República Checa chegou a declarar que estava “horrorizado por uma posição tão antissemita e que condenava o relatório”.

A realidade é que Israel é a coisa mais distante de um estado de apartheid; 20% da população de Israel são árabes, que gozam de igualdade perante a lei, programas de ação afirmativa e cargos no parlamento e na Suprema Corte de Israel. Foi um juiz árabe-israelense, e mais tarde juiz da Suprema Corte, quem condenou um presidente israelense (um judeu) à prisão. Quando o próprio líder do partido islâmico em Israel declara que não há Apartheid no país, isso deveria acabar com a discussão.

E enquanto a Anistia culpa Israel pelo infortúnio palestino, quase todos os palestinos permanecem sob o governo da Autoridade Palestina na Cisjordânia, ou Hamas em Gaza.

Nada ilustra melhor a situação do que quando o ativista Yosef Haddad, um cidadão árabe de Israel, foi convidado a debater um palestrante da Anistia, a ONG supostamente se recusou a participar, pedindo (imaginem!) um judeu no lugar dele. Este gesto reflete o que parece ser o racismo da Anistia, desonestidade intelectual e vontade de sufocar a realidade.

As absurdas e infundadas alegações de apartheid da Anistia expuseram a má-fé da organização, sua desonestidade intelectual, racismo interno e credibilidade cada vez menor. E isto fez com que um mundo geralmente silente, levantasse sua voz. E é por isso que denunciar o antissemitismo é tão importante. Não podemos deixar passar nenhuma oportunidade para fazê-lo.

Temos que denunciar e parar de patrocinar ONGs como esta, que minam todos os esforços de paz no Oriente Médio. Elas algemam tanto Israel como os palestinos em estereótipos mentirosos para alcançar objetivos obscuros e ganho próprio.

Sunday, February 13, 2022

A Ucrânia e o Caminho Sem Volta - 13/02/2022

 

A possibilidade de uma invasão da Ucrânia pela Rússia parece ser tão iminente que vários países já avisaram seus cidadãos a deixarem o país, e estão também reduzindo ou fechando suas embaixadas em Kyiv.

Estamos com um grande problema nas mãos. A Ucrânia é o maior país em território do continente Europeu, mas no ocidente temos a tendencia de vê-la como um país pequeno e insignificante. Fatos históricos são mencionados passageiramente como se não afetassem ninguém fora de suas fronteiras. O colapso da União Soviética, a Revolução Laranja de 2004, a anexação da Criméia em 2014. E agora, seu sequestro pela Rússia, trazendo ansiedade sobre uma possível outra Guerra Mundial.

O fato é que a Ucrânia pode ser tudo menos insignificante. Ela não só tem um capital humano diverso, um potencial econômico enorme, ela tem uma localização crítica entre a Rússia e a União Europeia. Ela tomou parte na queda de 4 impérios, incluindo o Austro-húngaro e a União Soviética.

E isso não ocorreu por acaso. Os ucranianos hoje deixaram de lado suas afiliações étnicas e religiosas e se uniram na ideia universal de liberdade. Sim, ainda existem os oligarcas, os corruptos e os políticos vendidos. Mas a nova geração está lutando contra eles. Especialmente desde 2014, depois que centenas de milhares de manifestantes saíram contra a corrupção no que eles chamaram de Revolução da Dignidade, compelindo o governo a ser mais transparente e responsável. Hoje o povo, incluindo os que falam russo, não espera que o governo ou seu exército os proteja. Eles estão se mobilizando de todas as maneiras para defender seu país.

Putin, por seu lado, tem feito de tudo para negar uma identidade nacional ucraniana. Um dos grandes fronts desta guerra é sobre a informação divulgada sobre o conflito. Putin não tem perdido uma só ocasião para empurrar a narrativa que os ucranianos e a Ucrânia são uma parte intrínseca do mundo russo com laços históricos e espirituais profundos com a Mãe-Rússia. Em julho do ano passado ele declarou que os Russos e Ucranianos são “um só povo, uma unidade inquebrantável”.

A declaração de Putin ilustra vividamente a prática de longa data (desde Lenin) de recusar reconhecer os ucranianos como mestres de sua própria história, e negar-lhes uma cultura distinta.

Um pouco de história. Até o século 17, a Ucrânia fazia parte da Comunidade Polonesa-Lituana. Mas em 1654, ocorreu um evento histórico na Ucrânia, que a Rússia adora descaracterizar. Naquele ano, a Ucrânia era governada por cossacos ucranianos que resolveram fazer um pacto com o Tzar russo Pereiaslav. Intérpretes foram chamados (sim, porque a Ucrânia tem uma língua distinta) e o tratado foi escrito, descrevendo cada uma das partes como o estrangeiro. Hoje o Kremlin quer convencer o mundo que o tratado de Pereiaslav foi uma unificação, um termo que esconde a realidade da expansão imperial russa.

Cinquenta anos mais tarde, o Tzar Peter I, se recusou a honrar o tratado e marchou sobre a Ucrânia, vencendo suas forças em 1709 na batalha de Poltava. Em 1775, a imperatriz russa Catarina II, querendo expandir ainda mais seu império, erradicou todos os líderes cossacos locais e transformou a Ucrânia numa terra subserviente à Rússia. Notem a palavra subserviente.

Em janeiro de 1918, durante a primeira guerra mundial, a Ucrânia declarou sua independência e cortou relações com a Rússia. Ao mesmo tempo ela passou a gravitar na esfera da Alemanha. Mas quando o exército alemão perdeu a guerra, Lenin aproveitou a oportunidade para invadir todos os países vizinhos e em 1922, a Ucrânia foi incorporada à União Soviética junto com a Bielorrússia e a Transcaucásia. Mas isso só foi possível depois de Moscou ter reconhecido a soberania do território e o Estado da Ucrânia.

Então, o que vemos quando levamos a sério a nacionalidade ucraniana moderna? Vemos um movimento social e cultural com uma espinha dorsal anticolonial e uma desconfiança das instituições estatais lideradas por homens fortes. Descobrimos que, no campo dos valores políticos, a Ucrânia não é prima da Rússia. É concorrente dela.

Todos sabemos que o sonho de Putin é retornar a Rússia aos gloriosos, mas pobres e famintos dias da União Soviética, e para tanto, ele precisa da Ucrânia para ficar face a face, na fronteira da Europa. Ele se diz ameaçado pela vontade dos ucranianos de entrarem na OTAN, e diz que está fazendo tudo isso para proteger os russos que moram na Ucrânia. Mas mesmo eles, tirando alguns vendidos a Putin, prometeram lutar contra uma invasão, porque experimentaram algo que não conheciam antes: a liberdade.

Tudo isso seria razão para o mundo tomar o lado da Ucrânia neste impasse que poderá nos levar a uma guerra. No entanto a coisa não é tão simples.

De fato, a Ucrânia não faz parte da OTAN e estados em sua fronteira oeste que fazem parte da OTAN não querem ser arrastados para uma guerra com a Rússia. Nem o resto da Europa ou os Estados Unidos. Eles deixaram isso claro quando a Rússia invadiu e anexou a Crimeia em 2014.

Com o desgoverno que reina hoje nos Estados Unidos, que não consegue nem proteger sua própria fronteira sul, Putin sabe que Biden não irá enviar tropas americanas para defender a fronteira da Ucrânia.

Aliás, não é só Putin. A China está seguindo de perto estes acontecimentos e se o mundo não fizer nada numa invasão da Ucrânia, ela irá certamente invadir Taiwan, algo que ela vem prometendo há décadas. A Coreia do Norte também acelerou seu programa de mísseis balísticos, e seu último teste conseguiu fechar por algumas horas os aeroportos da costa oeste americana. E isso, sem falar do Irã que está prestes a chegar na bomba nuclear, que irá desestabilizar todo o Oriente Médio.

Mas outra vez, é Israel que está entre a panela e a frigideira.

Há milhares de judeus e israelenses na Ucrânia. Há um renascimento das comunidades judaicas no país. O presidente da Ucrânia é judeu. Haveria muitas razões para Israel tomar seu lado.

Mas Israel tem um relacionamento de alto interesse com Putin, porque a Rússia está de fato na fronteira norte de Israel. A Rússia está instalada na Síria tanto civil como militarmente e é ela quem permite Israel de atacar as bases e os comboios iranianos de armas e mísseis para a Síria e para a Hezbollah no Líbano. A Rússia tem interesse em reduzir a influência do Irã na Síria porque quer proteger seu acesso ao Mediterrâneo sem ir diretamente contra um de seus maiores clientes. Assim, Putin está mais que feliz em ter Israel para fazer o trabalho sujo.

A União Soviética já não existe há décadas, mas os corredores do Kremlin continuam repletos do chauvinismo em relação à Ucrânia, que desde 2014, levou à morte milhares de ucranianos e o deslocamento de outras centenas de milhares. Hoje Putin tomou mais de 40 milhões de pessoas como reféns. Ao ameaçar suas fronteiras, ele está apostando que o ocidente não se importa com a Ucrânia. Ele também está apostando que o ocidente não sabe e nem vê a Ucrânia. Nossa ignorância alimenta sua agressão.

Putin não tem medo de sanções econômicas contra ele ou a Rússia. Ele acabou de assinar um pacto com a China que com muito sucesso está ajudando o Irã a escapar das sanções americanas contra os aiatolás.

E se Putin invadir e não fizermos nada como aconteceu na Segunda Guerra com os Sudetos entregues à Hitler, pensando evitar uma outra guerra mundial, isso dará ao resto dos ditadores, expansionistas, terroristas e aproveitadores, carta branca para agirem sem impunidade. E isso nos levará a outra guerra mundial.

A situação atual, não se enganem, é devida total e completamente à fraqueza que vemos no governo Biden. Se este governo não der uma volta de 180 graus agora, seremos todos jogados num caminho sem volta.  

Sunday, February 6, 2022

O Fim da Verdade da Anistia Internacional - 6/2/2022

 

Esta semana merecia uma análise sobre o conflito entre a Rússia e a Ucrânia na Europa; a eliminação do líder do Estado Islâmico na Síria e o ressurgimento do grupo no Oriente Médio; as contínuas ameaças da China contra Taiwan; os testes de mísseis da Coreia do Norte na Ásia; a deterioração do Afeganistão; e os planos nucleares do Irã. Tudo isso ligado à fraqueza demonstrada pelo governo de Joe Biden.

Mas de repente nos deparamos com os últimos planos de erradicar o Estado de Israel. E eles não vieram do Irã ou dos mísseis do Hamas ou da Hezbollah. Este plano foi engendrado por um meio diferente.

A ONG Anistia Internacional divulgou na terça-feira um relatório de mais de 270 páginas intitulado: “Apartheid de Israel contra os palestinos: sistema cruel de dominação e crime contra a humanidade”.

O ministro das Relações Exteriores, Yair Lapid, imediatamente condenou a organização e o relatório repleto de inconsistências e falsidades. Em resposta, a Anistia Internacional redobrou seu ataque, dizendo que “o Apartheid é uma privação. Apartheid é segregação. Apartheid é fragmentação. Apartheid é desapropriação. O apartheid de Israel sobre os palestinos é um crime contra a humanidade”.

Isso não só banaliza o que foi a política de Apartheid na África do Sul que realmente negou qualquer direito aos negros africanos, qualquer representação política, qualquer voz na sociedade relegando esta população à total segregação, mas hoje, usada contra Israel, não oferece nenhuma outra cura a não ser o completo desmantelamento de Israel como Estado judeu.

Isto também tem outra consequência. Ao pedir o fim de Israel estes grupos estão de fato rejeitando o que sempre defenderam: a falida, mas ainda viva, solução de dois Estados que deveria supostamente acabar com o conflito e dar a cada grupo sua autodeterminação.

A acusação de “apartheid” a Israel não é nova. No início de 2021, tanto a Human Rights Watch quanto a B’Tselem acusaram Israel de “apartheid”. A acusação é geralmente baseada no argumento de que Israel controla a Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jerusalém e áreas dentro da Linha Verde e que tudo isso é na verdade uma entidade.

A Anistia afirma que “os sucessivos governos elaboraram leis e políticas para garantir a contínua fragmentação da população palestina. Os palestinos estão confinados a enclaves em Israel, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, e nas comunidades de refugiados, onde estão sujeitos a diferentes regimes legais e administrativos”.

Todos os relatórios destas ONGs compartilham uma lógica semelhante. Eles não discorrem sobre como Israel trata os palestinos na Cisjordânia. Eles não são sobre como Israel priva os palestinos de Jerusalém de igualdade perante a lei. Eles são na verdade sobre a Faixa de Gaza (de onde Israel se retirou em 2005) e sobre Israel própria. Assim podem acusar Israel de “apartheid” mesmo em Tel Aviv.

A Anistia Internacional, a HRW e outros grupos que defendem esse argumento, não fazem afirmações semelhantes sobre outros países que maltratam suas minorias.

Eles não definem a Turquia como um estado de apartheid, apesar de sua discriminação contra os curdos. Ou a Malásia, embora dê preferência aos malaios. Eles não definem o Paquistão como um estado de apartheid, embora discrimine os não-muçulmanos. Ou a Arabia Saudita por proibir a prática de outras religiões e colocar trabalhadores estrangeiros em guetos. E D-us me livre se alguém for pego falando mal da China e de sua política de limpeza étnica no Tibet e a perseguição dos muçulmanos Uighurs.

A palavra “apartheid” foi agora reinventada apenas para se aplicar a Israel. E não é sobre fazer com que Israel se retire da Judeia e Samaria, mas sobre desmantelar Israel completamente como estado judeu.

Neste último relatório a Anistia se concentrou no que ela chama de “fragmentação” das áreas palestinas como evidência do “apartheid”. O engraçado é que esta “fragmentação” foi criada pelas Nações Unidas no plano de partilha de 1947. Ela está então, acusando as Nações Unidas de criar o apartheid, dividindo o que era o Mandato Britânico, em um estado judeu e outro árabe. E se a divisão do território agora é “apartheid”, isso significa que o próprio fato de Israel ter se retirado de Gaza em 2005 ela cometeu o “apartheid”, e o mesmo vai acontecer com a Autoridade Palestina, se um dia Israel decidir se retirar de lá.

Isto torna a paz impossível. Se Israel fica na Cisjordânia, ela a “controla”, se a deixa, a “fragmenta” e os dois são “apartheid”.  Em outras palavras: se ficar o bicho pega, se correr o bicho come.

E parece que isso foi projetado para evitar que o novo governo israelense, o primeiro com um partido árabe na coalisão, tentasse resolver o conflito ou encontrasse uma solução pacífica nas linhas dos dois estados.

Antigamente, grupos de direitos humanos se concentravam em políticas discriminatórias específicas na Cisjordânia ou em Jerusalém. Agora um despejo em Jerusalém é “apartheid”. A Anistia chama o deserto do Negev, que faz parte de Israel própria, pelo nome árabe “Naqab” e se refere à “expropriação” de 1948, indicando que a única ideia reparadora é voltar o relógio para 1947. Esta é uma tentativa extraordinária de reescrever a história.

É o mesmo que afirmar que o Paquistão e a Índia estão cometendo “apartheid”, a menos que concordem em ser um estado único novamente, junto com Bangladesh. É o mesmo que afirmar que todos os antigos estados da Iugoslávia, da Macedônia ao Kosovo, Bósnia, Sérvia e Croácia devem agora se reunificar ou serão todos definidos como “apartheid” porque são “fragmentados” e porque cada um discrimina em favor de seu próprio grupo nacional.

Mas esta nova definição de Apartheid usada pela Anistia e as outras ONGs contra Israel dá um tiro de culatra nos palestinos. O direito palestino a um estado próprio, um estado árabe como imaginado na ONU em 1947, está agora fora de questão porque uma tal divisão será considerada “apartheid”.

Este não é um relatório, mas uma narrativa: uma reescrita distorcida da história. Chamar Israel de estado apartheid não apenas mancha Israel, mas menospreza os árabes israelenses que hoje trabalham em todas as áreas do governo e da sociedade, são diretores de hospitais e juízes da Suprema Corte. Quando um árabe israelense membro do parlamento se levanta em protesto contra este relatório, como o fez Issawi Frej do Meretz, isto significa algo. Ele disse que Israel tem sim muitos problemas, mas não é um estado apartheid.  

A secretária-geral da Anistia Internacional Agnes Callamard disse rindo na coletiva de imprensa: “Reconhecemos a existência do Estado Judeu de Israel. Nós nos opomos e denunciamos o antissemitismo e atos antissemitas em todo o mundo”. É claro que a Anistia reconhece a existência do Estado judeu.  Ela passou décadas obcecada com sua existência!!! E embora pretenda promover a paz, é excelente na promoção dos tropos e estereótipos que incentivam o terrorismo e a violência.

O relatório da Anistia é um relatório vergonhoso e danoso para uma organização que diz promover a justiça internacional e os direitos humanos.

E quem mais se danou com este relatório foi a verdade.