A história começa no início dos anos 2000, quando o então
chanceler alemão Gerhard Schroeder teve a brilhante ideia de
promover relações entre
Berlim e Moscou. Ele chegou a oferecer à Rússia parceria na EADS, uma
multinacional europeia de defesa e potência aeroespacial. Em novembro de 2004,
Schroeder chamou o presidente russo Vladimir Putin de "democrata
impecável". No mesmo ano, Schroeder também elogiou o autocrata islâmico da Turquia, na
época o primeiro-ministro e hoje presidente, Recep Tayyip Erdoğan como um "grande
reformador".
Alguns dias depois de Schroeder ter deixado o cargo de chanceler, ele recebeu um
telefonema de seu amigo Putin. Daí para a frente, Schroeder tem trabalhado para empresas estatais russas de
energia, incluindo a Nord Stream AG, a Rosneft e a Gazprom, com um salário de US$ 1 milhão por ano.
Em março deste ano, o Procurador-Geral da Alemanha iniciou um
processo contra Schroeder por sua cumplicidade em crimes contra a humanidade devido ao seu
papel em empresas estatais russas.
Em 2008, o "democrata impecável" Putin invadiu a
Geórgia. O Ocidente ficou chocado. Os críticos de Putin ficaram chocados com o
choque do Ocidente. Em 2014, Putin invadiu a Península da Criméia, território
soberano da Ucrânia e a anexou. O Ocidente continuou chocado.
Em fevereiro deste ano, Putin novamente invadiu a Ucrânia e anexou mais
outros territórios. O
Ocidente se disse chocado. Não deveria ter ficado. Como se diz
em inglês, me engane uma vez, a vergonha é sua, me engane duas vezes, a
vergonha é minha.
Em 1972, as exportações de gás natural da União Soviética
representavam cerca de 4% do consumo da Europa. Em 2021, a Rússia já
fornecia quase 40% do
gás da Europa. À medida que aumentou sua participação de mercado também
aumentou a capacidade da Russia de manipular preços e desencadear crises. A maioria dos
europeus agora reconhece que essa dependência da Rússia representa um grande erro
estratégico. Tarde demais. Esta louca "transição para energia verde" da Europa
apresenta uma grande falha: depende das importações de gás da Rússia
que não tem qualquer problema em explorar energia suja para que o Ocidente se
sinta limpo.
Em 2017, surgiu uma
alternativa ao fornecimento de energia da Rússia. Os governos da Itália, Grécia, Chipre
e Israel assinaram uma declaração para desenvolver o Gasoduto do Mediterrâneo Oriental
(EastMed), um projeto de gasoduto de 1.900 km ao custo de US$ 6,7 bilhões para conectar as
reservas de gás de Israel e Chipre para a Grécia e daí para a Europa. O
gasoduto teria capacidade inicial para transportar 10 bilhões de metros cúbicos
de gás por ano (bmc/a) para a Grécia, Itália e outros países do sudeste europeu. A
capacidade seria então aumentada para um máximo de 20 bmc/a na segunda fase. O projeto foi definido como "de Interesse Comum"
(PCI) pelos governos europeus.
O EastMed melhoraria a segurança energética da Europa, diversificando suas rotas
e fontes de fornecimento de gás e permitindo acesso direto aos campos de produção, reduzindo a
dependência da Rússia. Isso proporcionaria uma oportunidade para Chipre, membro da
União Europeia, se conectar à rede de gás europeia, o que aumentaria ainda mais
o comércio de gás no sudeste da Europa.
Mas a Turquia, após um isolamento
internacional punitivo após várias crises diplomáticas com Israel, ameaçou
militarmente a EastMed. Em contraste, outros países da região, como Egito,
Jordânia, Líbano e os estados do Golfo, apoiaram o projeto, também favorecido pela UE e pelos
Estados Unidos. Maravilha. Mas espera aí.
Este acordo
ameaçava a força regional da Turquia. Ela não gostou da aliança entre a Grécia,
Chipre e Israel. Não esqueçamos que a Turquia ocupa ilegalmente o norte de
Chipre. Mas tudo isso poderia ser gerenciado não fosse o monumental e histórico
erro de cálculo e de custo estratégico de Joe Biden. Ele decidiu que era melhor
apaziguar a Turquia
pró-Putin, e comprometer a segurança energética da Europa.
Apenas algumas semanas antes da Rússia invadir a Ucrânia em
fevereiro, Biden surpreendeu os parceiros da EastMed ao retirar abruptamente o
apoio dos EUA ao gaseoduto, matando efetivamente o projeto, impedindo um
fornecimento diversificado de energia para a Europa e fortalecendo ainda mais a chantagem energética de
Putin contra a Europa.
A Casa Branca disse que o projeto de US$ 6,7 bilhões era contrário aos seus "objetivos
climáticos". Quanto incrivelmente mentecapto deve ser Biden para esperar que ninguém ainda esteja usando
combustíveis fósseis até 2025, a data prevista para a conclusão planejada do
gasoduto EastMed. A administração Biden também citou uma suposta falta de
viabilidade econômica e comercial, embora o estudo de 2019 financiado pela UE
tenha confirmado que “o Projeto é tecnicamente e economicamente viável e
comercialmente competitivo”.
O erro de cálculo de Biden deve ter causado a
abertura de muitas garrafas de champanhe no Kremlin. "Bem-vindo ao admirável mundo novo
onde os europeus vão muito em breve pagar 2.000 euros por 1.000 metros cúbicos
de gás natural!" twittou Dmitry Medvedev, vice-presidente do Conselho de
Segurança da Rússia e ex-presidente e primeiro-ministro do país, em 22 de
fevereiro de 2022, apenas dois dias antes da invasão.
Mas Biden não
parou por aí. Enquanto sua administração continua a bater na mesma tecla para
tentar convencer os mulás a voltarem à mesa de negociação sobre seu programa
nuclear, o regime iraniano está fornecendo armas e tropas para a Rússia com
total impunidade. A pergunta é o que os governantes do Irã estão recebendo em
troca?
Em primeiro lugar,
o Irã está correndo para se tornar uma potência nuclear e conseguir a hegemonia
em todo o Oriente Médio. Os aiatolás querem que a Rússia os ajude a reforçar e
acelerar seu programa nuclear. Em 24 de outubro, o presidente ucraniano
Volodymyr Zelensky fez a seguinte advertência:
"Em oito
meses de guerra aberta, a Rússia usou quase 4.500 mísseis contra nós. E seu
estoque de mísseis está diminuindo. A Rússia então procurou armas acessíveis em
outros países para continuar seu terror. Encontrou-as no Irã."
Zelensky
acrescentou: "Eu tenho uma pergunta para você - como a Rússia paga o Irã,
na sua opinião? O Irã está apenas interessado em dinheiro? Provavelmente não em
dinheiro, mas na assistência russa ao programa nuclear iraniano. Provavelmente,
esse é exatamente o significado de sua aliança."
E o regime
iraniano, que no passado sempre negou estar buscando armas nucleares, hoje está
se gabando de sua capacidade de construir uma bomba.
A liderança
inexistente do governo Biden ajudou os mulás no poder a ganhar tempo nos
últimos dois anos e acelerar seu programa nuclear, aumentando seu
enriquecimento de urânio de 20% para 60%, conduzindo pesquisa, desenvolvimento
e produção de metal de urânio e adicionando mais centrífugas avançadas de
enriquecimento. O ousado regime iraniano chegou a anunciar que não permitirá
que a Agência de Energia Atômica visse imagens das centrífugas.
O novo acordo
nuclear de Biden, se alcançado, também permitirá à Rússia lucrar com um
contrato de US$ 10 bilhões para expandir ainda mais a infraestrutura nuclear do
Irã. Infelizmente, esse ainda parece ser o legado que o governo Biden quer
deixar: o regime predatório do Irã, o principal patrocinador do terrorismo,
armado com bombas nucleares e uma Rússia empoderada que não hesita em usar de
chantagem, agressão e força militar para invadir outros países.
Não é à toa
que Biden está sendo chamado de "marionete russo". Mesmo que a Russia não tivesse
invadido a Ucrânia
em Janeiro, o erro de
Biden garantiu que Putin estava no caminho certo. Se os europeus congelarem neste
inverno ou precisarem pagar contas altíssimas, eles podem brindar
Schroeder,
Putin e Biden.