Sunday, October 23, 2011

Como NÃO Conduzir uma Entrevista - 23/10/2011

Gilad Shalit está finalmente em casa. Depois de passar 5 anos e 4 meses num calabouço subterrâneo, sem a luz do sol, sem espaço para se movimentar e sem contato com pessoas, podemos dizer, pelo que vimos, que ele saiu mais ou menos ileso, pelo menos fisicamente. A grave falta de vitamina D, as pernas um pouco atrofiadas, isto são coisas que medicação e fisioterapia irão curar. Mas a tortura mental, que deveria ter terminado quando ele saiu das mãos do Hamas e levado ao Egito, foi prolongada um pouco mais.

É com grande relutância que uso este espaço para criticar uma colega jornalista, mas não faze-lo nestas circumstâncias seria consentir com o que se passou.

Assim que pisou no solo egípcio, Shalit foi arrastado para a sua primeira entrevista no que deverá entrar nos anais da história como a pior jamais feita. Ela deverá servir de exemplo a estudantes de jornalismo como NÃO conduzir uma entrevista. Oficiais do governo de Israel a descreveram como uma exploração do jovem que estava em estado extremamente frágil. Eu adiciono que a entrevista foi de amador, propagandista, oportunista e vamos dizer claramente: cruel.

A palhaçada de terça-feira – transmitida ao vivo pela TV Nilo – foi conduzida por Shahira Amin, uma jornalista egípcia conhecida, que em fevereiro se demitiu do canal pela cobertura parcial dos protestos que causaram a queda de Mubarak. Que Amin, agora pareça estar dançando a música do governo, é um mau presságio para as esperanças do “novo Egito” seja lá o que isto for, que dizia querer trazer uma nova era de liberdade de imprensa neste mundo árabe pós-ditatorial.

A mera noção de que Schalit tivesse concordado em dar uma entrevista à TV Nilo, por livre e espontânea vontade, é absurda. Força-lo a faze-lo, imediatamente após sua soltura de Gaza, antes mesmo dele poder ver um médico, ou um representante de Israel ou algum membro de sua família – é uma violação grave dos princípios éticos e jornalisticos mais básicos.

Colocando isto de lado, várias perguntas feitas por Amin foram de estúpidas a sádicas. Por exemplo, ela perguntou “durante todo o seu período em cativeiro, você fez apenas um vídeo para dizer à sua familia e ao mundo que estava vivo – porque apenas uma vez? Porque não aconteceu de novo?” Como se fosse Schalit quem decidia quando e como o vídeo seria feito.

Mas em vez de mandar a repórter fazer a pergunta ao Hamas, Schalit teve que ouvir um argumento que se seguiu entre a entrevistadora e o tradutor do Hamas que a acusou de fazer a mesma pergunta duas vezes. Óbvio que o tradutor não queria que acusações contra o Hamas de violar os direitos de prisioneiros, acesso à Cruz Vermelha, comunicação com a familia, que foram todos negados à Schalit, viessem à tona.

Os dois discutindo ao vivo na televisão foi um dos momentos mais lamentáveis da entrevista. Enquanto Shalit parecia não estar se sentindo bem Amin foi para cima e disse “e é por isso que estou fazendo a pergunta mais uma vez” – como se isto fosse ter um efeito terapêutico no pobre soldado. A questão em si é absurda, equivalente a perguntar a um sequestrado porque ele ou ela não escaparam antes.

A pergunta seguinte de Amin foi um pouquinho melhor: “foi o conselho de segurança nacional do Egito quem mediou a sua soltura. Houveram tentativas de mediação anteriores, incluindo uma dos alemães. Por que você acha que desta vez a mediação foi bem sucedida e o que você gostaria de dizer às autoridades egípcias?”

A repórter estava sentada ao lado de uma bandeira egípcia. Durante os 12 minutos de sabatina, Schalit estava ofegante, com o olhar abatido, às vezes olhando para o lado procurando uma saída e sua voz ansiosa. Mas mesmo assim, Schalit conseguiu dizer que pensava que os egípcios foram bem sucedidos porque mantêm boas relações tanto com o Hamas quanto com Israel.

Ele poderia ter dito: “Não me use como garoto de propaganda do governo egípcio. Eu não tenho a minima idéia do que se passou. Eu estava num calabouço nos últimos 5 anos”!

Amin continuou perguntando quais as “lições” que Shalit aprendeu no cativeiro. Depois de pedir para ela repetir a questão, ele disse que acreditava que um acordo poderia ter sido alcançado antes. No entando, o tradutor do Hamas disse que Gilad Schalit louvava as partes por terem conseguido este acordo tão rápido. A tradução errada foi repetida pelo próprio intérprete da BBC que não estava prestando atenção no hebraico de Schalit mas no árabe do tradutor.

Aí veio a bomba. Amin perguntou a Schalit agora que ele sabe como é ficar em catividade, se ele iria fazer uma campanha para soltar os 4 mil palestinos ainda em prisões israelenses.

Óbvio que esta jornalista imbecil não entrou no mérito do cativeiro de Schalit ter sido um universo aparte dos palestinos que foram presos e julgados por atos terroristas que custaram a vida de milhares de israelenses, e ainda assim, recebem visitas de suas familias, têm acesso à seus advogados, médicos, páteos para tomarem sol e a presença constante da Cruz Vermelha e um sem-número de ONGs procurando qualquer falha de Israel para incrimina-la, tudo que foi negado à Schalit, sequestrado pelo crime de ser um soldado judeu.

A resposta de Schalit depois de alguns pesados segundos de silêncio foi superior. Ele disse que ficaria muito feliz se eles fossem soltos e adicionou “desde que não retornassem a lutar contra Israel”.

Mais uma vez, o intérprete não traduziu a segunda parte da resposta e mais uma vez a omissão foi repetida pelo intérprete da BBC, apesar dele estar aparentemente traduzindo simultaneamente do hebraico.

O intérprete da BBC adicionou às palavras de Schalit que “ele ficaria muito feliz de ver os prisioneiros livres para retornarem às suas familias e a seu território. E que lhe daria muita felicidade se isto ocorresse”. Isto não é de se espantar. Hoje mesmo no site da BBC tem um artigo dizendo que os prisioneiros palestinos soltos são heróis.

Até mesmo a mídia israelense que cobriu cada passo da libertação de Schalit de modo estóico, colocando totalmente de lado os sentimentos das familias dos mortos que viram a justiça escapar diante de seus olhos, descreveram a entrevista como bizarra, chegando ao ponto de abusiva.

Mas de todos, a melhor descrição veio de um estudante egípcio baseado na Australia que colocou em seu twitter: "depois de 5 anos em cativeiro, Schalit foi obrigado à uma última tortura: uma entrevista com a televisão pública egípcia”.

Todos nós rezamos para o retorno de Schalit para sua casa, seus familiares e amigos. Agora que ele retornou, temos que continuar nossas preces para que ele se restabeleça emocionalmente desta experiência penosa e que haja algum consolo para as familias que perderam seus entes queridos nas mãos dos que foram soltos. Até que tenhamos que rezar pelos próximos alvos daqueles ex-prisioneiros que retornarem ao terrorismo.

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