Realmente
precisamos tirar o chapéu para a Irmandade Muçulmana. Eles souberam muito bem
como fazer para chegar ao poder e agora como usa-lo.
Durante
as demonstrações no ano passado, a Irmandade escolheu não aparecer deixando o
mundo se apaixonar pela revolução egípcia dando a impressão que o sucessor de
Mubarak seria um democrata Facebook.
Infelizmente
a realidade foi outra. Os islamistas usaram os secularistas para abolir o
regime de Mubarak e vestir a revolução de moderação. Em Julho de 2011 negociaram
sua participação numa grande manifestação na Praça Tahrir junto com os
secularistas. E foi aí que mostraram quem mandava. A manifestação se
transformou numa demanda de imposição da lei islâmica no Egito.
Os
militares decidiram tomar o poder e convocaram eleições para que um novo
parlamento escrevesse a nova Constituição do país. A Irmandade sabia que
ganharia a maioria dos assentos e finalmente teriam o controle sobre a
Constituição e o futuro do Egito.
A
diferença política entre os secularistas e a Irmandade Muçulmana é fundamental.
A Irmandade quer um Egito islâmico tipo Irã. Os secularistas não conseguem se
unir ou decidir o que querem além do fim da ditadura militar.
Oposição
não é programa político. Quando alguém perguntava o que esperavam fazer depois
de Mubarak, nenhum secularista tinha resposta.
A
Irmandade, por seu lado, foi a força mais popular do Egito nas últimas décadas.
Seus líderes sabiam que para tomar o poder, tudo o que precisavam eram eleições
livres e o controle para escreverem a nova Constituição. Para isso, eles
manipularam os secularistas contra os militares e vice-versa, negociando em
má-fé. E conseguiram.
Ao
permitir a participação da Irmandade Muçulmana nas eleições parlamentares e
presidenciais os militares assinaram sua própria sentença de morte. A Irmandade
irá transformar o Egito. A questão agora é só se isso acontecerá rapida ou
lentamente.
Para
entender esta questão, basta ver o que ocorreu nas eleições de 2002 na Turquia.
Quando os islamistas tomaram o poder, os militares podiam constitucionalmente
controlar o país. Como guardiões do estado secular da Turquia, eles tinham o
poder constitucional de derrubar governos eleitos democraticamente se não
mantivessem o caráter secular do país.
Dez
anos mais tarde, a Turquia tem um regime autoritário, populista e islâmico. O
judiciário e os servidores públicos, além dos militares, hoje são todos
islamistas. O processo foi gradual, demorou alguns anos, mas aconteceu.
O
exército egípcio hoje está muito mais fraco que o exército turco estava em
2002. Eles vão conseguir se manter no poder somente através da força bruta.
A
decisão dos militares de declarar o parlamento ilegal e passarem um decreto que
os colocam acima do presidente não foi uma mostra de força mas de pânico pois sabem
que seus dias no poder estão contados.
Quando
o candidato da Irmandade Mohamed Morsy declarou vitória no domingo passado, o
fez com seus membros destituidos do parlamento. A mensagem alta e clara é que a
Irmandade não irá se sujeitar aos militares.
O
confronto entre a Irmandade e o exército egípcio é inevitável. E esta
inevitabilidade significa que a paz entre o Egito e Israel está por um fio e
hostilidades virão. As únicas questões hoje são “quando” e “como” elas virão.
Com
a Irmandade no poder, a cooperação entre Israel e as forças de segurança do
Egito no Sinai irá acabar. E o regime não só não fará nada para impedir ataques
terroristas mas irá encoraja-los. E ao final, os militares se sentirão moral e
religiosamente obrigados a participar dos ataques contra Israel.
Se
isso acontecer amanhã ou em um ou dois anos, a questão de quem estará no poder
no Egito se torna irrelevante para Israel. No desespero para manterem o poder,
os militares não hesitarão em sacrificar o acordo de paz com Israel já que
nesta “primavera” árabe, até os Estados Unidos se posicionaram ao lado da
Irmandade Muçulmana.
Por
seu lado, Israel precisa reconhecer que sua fronteira sul não ficará quieta por
muito tempo. Os repetidos discursos do governo de Israel de que tudo está bem,
que não há com que se preocupar, são contraprodutivos pois dão um falso senso
de segurança e adiam quaisquer preparativos de defesa.
Um
discurso franco é especialmente importante na arena internacional. Nos últimos
30 anos Israel fez de tudo para proteger seu tratado com o Egito chegando a
descartar ataques diplomáticos ao seu próprio direito de existir vindos do
Cairo. Agora Israel pode responder à altura e estabelecer uma defesa
diplomática coerente quando precisar responder militarmente à uma agressão
egípcia.
Infelizmente
hoje Israel não tem boas opções práticas. Ela não pode operar no Sinai. Qualquer
retaliação a ataques de mísseis, será usada como desculpa para a Irmandade
Muçulmana declarar a guerra abertamente. Mas além de tudo, depois destes 30
anos, o exército egípcio não é mais o de antigamente. Ele recebeu mais de um
bilhão de dólares por ano em equipamento e treinamento dos Estados Unidos e
Israel vai precisar de muita preparação para vencê-lo.
A
sorte está lançada e precisamos nos preparar para o que está para vir.
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