Não é sempre
que temos ocasião de falar de sentimentos e fé. Mas acho que hoje, às vésperas
da Páscoa judaica temos que dar uma parada e refletir sobre o que está
ocorrendo no mundo.
É algo sem
precedentes que o globo inteiro esteja na mesma situação por causa de um vírus nanoscópico.
Em todos os lugares, especialmente nos países mais desenvolvidos, há medo,
sofrimento e mortes. E por mais que em 2020 tenhamos as tecnologias mais
avançadas da história, ainda não conseguimos chegar a uma cura ou tratamento eficaz.
Nestas circunstâncias extraordinárias, qualquer um, e certamente aqueles que têm
um relacionamento com o Criador e creem num propósito maior, podem ver nesta crise
de dimensões bíblicas uma mensagem divina.
A última vez
que o mundo foi inteiramente afetado por uma catástrofe desta dimensão foi com
o dilúvio de Noé. E depois dele D-us fez uma promessa solene a todas as
criaturas vivas que a terra e os que vivem nela nunca mais seriam destruídos
por um diluvio. E disse que quando houvesse um arco-íris Ele se lembraria desta
promessa. Mas não tem nada sobre qualquer sinal para nós nos lembrarmos a
manter o nosso lado do acordo.
Este pequeno
vírus, causa dificuldades respiratórias e nos casos mais graves, enche o pulmão
de fluidos, como se a pessoa estivesse se afogando. Talvez este seja o sinal para
nos lembrarmos do que é realmente importante.
Igual a
geração do dilúvio, temos tudo de melhor e mais avançado. Mas também nos
deixamos corromper. Preferimos os “amigos” do Facebook, Twitter e Instagram aos
amigos de verdade, àqueles que exigem de nós o esforço sobre-humano de levantar
o telefone e gastar alguns minutos de conversa pessoal. Hoje, com o
distanciamento social mandatório, sentimos quanto a mídia social é fútil e o
contato pessoal faz falta.
Estamos acostumados
a pensar somente em nós, nosso trabalho, nossas carreiras, deixando o ensino
das crianças para as escolas. Nestas últimas semanas fomos obrigados a
participar do ensino online e acredito que muitos pais foram surpreendidos com
o que encontraram, positiva e negativamente.
As indústrias
pararam, gerando muita ansiedade e desemprego. Mas elas também deixaram de
jogar toneladas de lixo no ar, nos rios e oceanos dando uma oportunidade única
para a natureza se curar, se refazer.
Pela primeira
vez as fotos de satélite mostram céus limpos sobre a China com uma queda
dramática de Dióxido de Nitrogênio emitido por carros a gás e queima de
combustíveis fosseis. Residentes de Wuhan escreveram sobre sua surpresa ao
ouvirem o canto de pássaros pela manhã que não tinha sido ouvido por décadas.
Animais
selvagens foram vistos explorando as ruas desertas de grandes cidades. Gatos
civetas na Índia, um puma foi visto na capital do Chile, Santiago, javalis
desceram das montanhas para Barcelona e patos selvagens passearam perto do
teatro Comedie Française no centro de Paris enquanto grupos de raposas
invadem outros centros urbanos da França.
Em Veneza, na
Itália, as águas dos canais severamente poluídas e congestionadas com gôndolas,
estão tão limpas que trouxeram os peixes e cisnes de volta, algo que os
moradores não se lembram de terem visto alguma vez.
Mas além do
óbvio da melhora do meio ambiente, temos outros. Aprendemos que se pode vencer
uma guerra ficando em casa. Nunca antes um oximoro destes poderia ser levado à
sério. Mas hoje essas ações contraditórias estão em prática e são divulgadas
por todos os líderes do mundo. Por outro lado, o amor e o carinho são demonstrados
ficando longe. Isto demanda uma força de espírito muito grande.
E isso é o
que diz o profeta Zacarias (4: 6): "Não por exércitos e não por força, mas
somente através do meu espírito diz o Senhor Todo-Poderoso". Nós nos
tornamos dependentes demais do poder físico e desprezamos o espiritual, quando o
que precisamos agora para vencer é só força de espírito.
O embaixador
americano em Israel, David Friedman, escreveu num artigo dizendo que precisamos
de mais humildade. Temos inteligência artificial, big data, robótica,
transplante de órgãos e terapia genética, mas um vírus salta de um animal
infectado em Wuhan para um ser humano e põe o mundo completamente de joelhos!
Talvez uma
das lições que o vírus esteja nos ensinando é a sermos mais humildes e menos
egoístas em relação aos nossos próprios avanços.
Precisamos
também ser mais caridosos. Como este nano vírus está nos mostrando, somos todos
interdependentes. O que acontece a milhares de quilômetros de distância pode
nos afetar profundamente em pouco tempo. Mas ao mesmo tempo, devemos confiar em
nós mesmos para nos proteger, e não ter nossa saúde ou bem-estar dependentes de
nações estrangeiras que têm suas próprias prioridades. Aprendemos com esta
crise que precisamos fabricar nossos próprios remédios, ventiladores e
máscaras. Mesmo se forem mais baratas na China. Como o sábio do primeiro século
da Mishnah Hillel disse: "Se não sou por mim quem será por mim, e se sou
apenas para mim, o que sou?" (Ética dos Pais, 1:14). Talvez o vírus esteja
nos ensinando a fazer um trabalho melhor, encontrando o equilíbrio certo.
É
interessante que a mão de Deus pode ser mais poderosa quando menos visível.
Aprendemos isso com as 10 pragas infligidas ao Egito que recontaremos esta
semana durante o Seder. As nove primeiras pragas foram todas visivelmente
sobrenaturais, do sangue no Nilo à escuridão e muito mais. Nenhum deles foi
suficiente para convencer o Faraó a libertar os israelitas da escravidão.
Somente a
décima praga - que foi simplesmente uma doença que atingiu os primogênitos egípcios
no meio da noite - silenciosa, invisível e mortal – foi que levou ao Êxodo.
Talvez o vírus esteja nos ensinando que Deus permanece no comando do mundo,
mesmo que seu controle não seja visível.
Todas estas
lições ficarão conosco, com esta geração que presenciou este evento sem
precedentes ou igual na história e com certeza irão nos mudar. Mas talvez a
maior de todas elas virá quando tudo tiver terminado, quando tivermos mais uma
chance, talvez a última, para reafirmarmos a alegria e o valor do contato
humano, do face-a-face, do olho-no-olho, do coração no coração para com os que
amamos.
Desejo a
todos uma Páscoa significativa, reflexiva e que todos nós possamos sair desta
pandemia com valores maiores e muita saúde física, espiritual, individual e
coletiva.
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