Mais uma vez nos
Estados Unidos, uma sinagoga é atacada. A sinagoga, que fica num subúrbio de
uma cidade com muitos poucos judeus, Colleyville, no Texas, não é fácil de ser localizada.
O evento levou 10 horas para ser resolvido e mais de 200 agentes e policiais
trabalharam para salvar o rabino e outras 3 pessoas que foram tomadas como
reféns. Ao final, todos foram soltos e o sequestrador morto. Durante todo o
tempo, o noticiário discutiu qual seria o motivo do ataque.
As pessoas que
assistiram a primeira hora do ataque - porque o serviço do Shabbat da sinagoga
estava sendo transmitido ao vivo pelo Facebook e pelo Zoom - ouviram o
sequestrador dizer que exigia a soltura de sua irmã no Islão, Aafiah Siddiqui.
Aafia Saddiqui é uma terrorista que está cumprindo 86 anos de cadeia por ter
tentado matar soldados americanos no Afeganistão.
Mas a
história de Aafiah é mais complicada. Nascida no Paquistão, filha de um neurocirurgião,
nos anos 90 ela veio para a América estudar. Ela entrou na prestigiosa MIT para
estudar Biologia e depois obteve um doutorado pela Universidade Brandeis em
neurociência e onde ensinou um curso de Laboratório de Biologia Geral.
Portanto, não estamos falando de nenhuma ignorante ou ingênua radicalizada.
Depois dos ataques de 11 de setembro ela voltou para o Paquistão e durante 5
anos ninguém soube dela. Só quando o terrorista Khalid Sheikh Mohammed foi
preso, que ele revelou que ela era o correio entre células terroristas.
Ela acabou
sendo presa no Afeganistão quando tentou matar soldados americanos e
interrogadores. Ela foi trazida para Nova Iorque, julgada e condenada. Seu
julgamento foi um circo. Ela foi retirada do recinto da corte várias vezes, exigiu
que nenhum judeu fosse aceito como jurado e que cada jurado fizesse um teste de
DNA para verificar se ele ou ela teria alguma origem sionista ou israelense.
Depois de lida a sua sentença, ela levantou o dedo indicador no ar e disse “o
veredito veio de Israel, não da América. É lá onde reina o ódio”.
Foi assim que
ela ganhou o título de Lady Al-Qaeda.
A pergunta é:
se o objetivo era soltar Siddiqui, porque alvejar uma sinagoga com 4 pessoas
dentro? Por que não um supermercado, uma repartição do governo, ou algum outro
alvo mais sensível?
A resposta é:
porque qualquer outro alvo levantaria imediatamente a simpatia dos americanos.
Estes terroristas bancam no sentimento antissemita que impera. Claro que vimos
as autoridades agirem rápida e profissionalmente, mas na cabeça destes
ignorantes, alvejar judeus é algo que hoje está se tornando aceitável mesmo em
círculos não islâmicos.
Já falei aqui
há algumas semanas, que desde 1991, sem interrupção, as estatísticas postadas
pelo FBI mostram que os judeus são o grupo mais alvejado por crimes de ódio
contra uma religião nos Estados Unidos, com 59% dos ataques e cada ano aumenta.
Nem mesmo em 2001 ou 2002, logo após dos ataques de 11 de setembro, esta estatística
caiu.
O problema é
que continuamos a perguntar, “porque a Al-Qaeda nos odeia”, e continuamos a
esquecer o conceito do que é um “inimigo”. Esse problema foi discutido na obra
brilhante de Lee Harris, “Civilização e Seus Inimigos”. Nela ele explica que as
democracias liberais e economias de mercado, criam um certo tipo de sociedade,
uma maneira específica de pensar, e um certo tipo de personalidade. No seu
âmago está o ator racional, a pessoa que julga seus atos por suas consequências.
Ela acredita que cada problema tem uma solução, que cada conflito tem uma
resolução e se sentarmos e negociarmos, chegaremos a um equilíbrio bom para
todos. Neste mundo, não há inimigos, somente conflitos de interesse.
Infelizmente este
não é o mundo real.
No mundo
real, nem todos são liberais, democratas ou com economias livres. Este mundo está
cheio de inimigos. Aqueles que estão prontos a morrer para nos matar. E apesar de
nos odiarem por alguma razão, esta é a razão deles, não nossa. É assim que
Harris começa seu livro.
A verdade é
que ao alvejar a sinagoga, o sequestrador não ficou muito longe da verdade.
Logo as autoridades no local declararam que as demandas do sequestrador não
estavam especificamente ligadas à comunidade judaica. Isto é, não foi bem
um ataque antissemita. Mais uma vez a mídia e as autoridades fecharam um olho
para os que atacam o povo judeu.
Embora houvesse
inúmeras declarações condenando o ataque, não vimos qualquer autoridade ou veículo
de mídia pedir um exame sobre o crescente antissemitismo nos Estados Unidos que
levam invariavelmente a ataques a judeus e a locais judaicos.
O desejo de
desconectar o ataque da sinagoga e vê-lo apenas como uma ação aleatória de um
lobo solitário para soltar Siddiqui é um padrão que deve ser denunciado. Este
foi o caso do ataque ao mercado Hypercacher em Paris em 2015. Na época, o então
presidente dos EUA, Barack Obama, disse que o ataque estava relacionado a
"um bando de fanáticos violentos e cruéis que decapitam pessoas ou atiram
aleatoriamente em um monte de gente em um delicatessen em Paris".
Não houve
nada de aleatório nisso. É razoável pensar que em Paris, com seus milhares de
supermercados e delicatessens, um criminoso atacou um supermercado kasher
pertencente a um pequeno grupo minoritário por acaso?
Se olharmos com
cuidado, sejam ataques inspirados pelo ISIS em Paris, ou grupos palestinos
atacando locais judeus na década de 1980, ou assassinando Leon Klinghoffer a
bordo do navio Achille Lauro em 1985, ou visando o Chabad na Índia, ou uma
sinagoga no Texas, quase sempre há o mesmo padrão.
Os judeus são
atacados como um alvo “normal” para todos os grupos que têm queixas, geralmente
grupos inspirados pelo extremismo islâmico, e os relatos oficiais tendem a ver
os ataques como aleatórios, e não crimes de ódio contra judeus. É mais
conveniente dizer que os perpetradores escolheram aleatoriamente um alvo judaico
do que ir a fundo e investigar como eles decidiram sobre estes alvos. Preferível
é a narrativa do aleatório, do “louco” ou “demente”. Sim, já foi dito que o
sequestrador pode ter problemas mentais.
E ao final invariavelmente ouvimos das autoridades que seus “pensamentos
e orações” estão com as vítimas deste “ato de violência sem sentido”. Isso em vez
de procurar entender por que matar judeus é uma parte positiva do “martírio”.
Ninguém quer
olhar como os judeus são descritos pelo meio que cria estes terroristas, pelos
grupos no Reino Unido que organizaram uma caravana de carros para pedir o
estupro de mulheres judias em maio último durante a guerra entre Israel e o Hamas,
ou pelos governos árabes e palestino, tirando dos judeus qualquer humanidade.
Há uma
tendência clara. Grupos e indivíduos promovem visões antissemitas como parte de
uma visão de mundo mais ampla. Você é antissemita e defensor da causa
palestina. É antissemita e antiamericano. É antissemita e é contra o
capitalismo.
No final, “os
judeus” continuam a ser o bode expiatório natural e a vítima em cada um desses
casos. Quando o Irã se zanga com as caricaturas ofensivas na Europa, ataca a
memória da Shoah e dos judeus. Quando o Paquistão está com raiva, ele ataca os
judeus. Quando a Al-Qaeda está com raiva, ela tem como alvo os judeus. Quando o
ISIS está radicalizando as pessoas, ele encoraja ataques a alvos judeus. Quando
países ou grupos querem insultar uns aos outros no Oriente Médio, eles comparam
seus inimigos aos judeus. “Judeu” é uma palavra de escárnio, um insulto. Até em
português, com o verbo “judiar” ou a palavra judiação.
A paz não é possível com alguém que está pronto a morrer para te matar. Os judeus por serem verdadeiramente uma minoria (são menos de 2% da população americana, menos de 0.19% no mundo e no Brasil menos da metade de 0.1%), além de carregarem todos os estereótipos, são vistos como fracos. A nossa liberdade, a liberdade dos judeus, depende da habilidade de todos de confrontar esta gangue eterna de inimigos.
As vezes não há alternativa a não
ser lutar contra o mal e destruí-lo.
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