Todos nós sabiamos que cedo ou tarde, de um modo ou de outro, Israel iria ser culpada pelos protestos ocorrendo no mundo árabe. Só não sabíamos quem iria conseguir este feito. Afinal, é óbvio que as demonstrações – da Tunísia ao Yemen, passando pela Algeria, Jordania e Egito, começaram espontaneamente por razões nada a ver com Israel. Elas começaram com um jovem Tunisiano de 26 anos que se ateou em fogo em dezembro porque, apesar de ter acabado a faculdade, só conseguia ganhar a vida vendendo legumes na rua. A gota final veio quando a policia confiscou seus legumes dizendo que ele não tinha licença. Ele morreu das queimaduras e virou um símbolo para todos aqueles que apesar de terem estudado não conseguem um lugar ao sol no mundo árabe.
Estes protestos desnudam o argumento que todas as tensões no Oriente Médio são causadas por Israel. Longe de estarem com ódio do estado judeu, os participantes dos protestos talvez inconscientemente, estão furiosos e frustrados precisamente porque seus países não são mais parecidos com Israel – que são tão sem liberdades, com tanta resistência à uma participação genuína do povo no governo, com tão poucas oportunidades economicas, tão injustos.
Apesar de vermos hoje exemplos de sentimentos anti-Israel, não havia nada assim nos primeiros dias dos protestos no Egito. Não havia nada anti-americano tão pouco. De fato, muitos queriam deixar claro que os protestos não eram contra o ocidente. Eram contra um tirano corrupto, um déspota determinado a ficar no poder, sem ligar para o sentimento e a vontade do povo.
Mas…. Mas…. O presidente da Síria, Bashar Assad, logo encontrou uma maneira de jogar pelo menos parte da culpa do caos na porta de Israel. Numa entrevista no Wall Street Journal na segunda-feira, ele explicou com sua tradicional arrogância, que o seu regime era “estável” porque sempre se manteve proximamente ligado às crenças do povo. Isto, para ele é o fundo da questão. Assim, de acordo com ele, a causa dos protestos na Jordania e Egito foi a paz que fizeram com Israel e seus governos estão pagando o preço. Isto é de uma incoerência suprema para este pilar da democracia que ele não é.
Assad vem de uma seita minoritária, os alawitas, que não tem qualquer apoio do público. Ele herdou a presidência de seu pai somente por causa de nepotismo (e porque seu irmão mais velho morreu num acidente de carro). Chegou ao poder através de eleições presidenciais como candidato único e retém o poder somente porque a oposição morre de medo que ele faça como o seu pai fez, há 29 anos atrás quando arrasou a antiga cidade de Hama por sua oposição islâmica.
É irônico, ouvir de um tirano como ele que seus irmãos árabes autocratas tenham posto em perigo seus regimes porque não respeitaram a vontade do povo!!! Seria muito doce se os esforços coordenados pelo Facebook na Síria conseguissem levar o povo à rua e desmascarar este déspota. Porque estes governos estão vendo que não é tão fácil mandar o exército para a rua para atirar em milhares de pessoas.
É para refletir muito o fato do Oriente Médio estar tão desestabilizado, com o Egito imerso em protestos sem fim, o rei da Jordania ter dissolvido seu gabinete em meio a protestos, o Hamas governando Gaza e pronto para explorar qualquer vacilo de Mahmoud Abbas na Judéia e Samária, e o Irã controlando o Líbano através da Hizbullah. O regime totalmente intolerante de Assad é aparentemente o mais estável da região. Por agora.
Do ponto de vista de Israel, é deprimente. Depois da paz com Egito assinada em 1979, acreditávamos que Israel havia tomado o primeiro passo para a normalização com seus vizinhos. O segundo passo, a paz com a Jordânia em 1994, confirmou o sentimento, junto com a abertura de várias representações em países do Golfo árabe e Marrocos.
Houve também um momento, depois do assassinado de Rafik Hariri em 2005 no Líbano que se esperava uma democratização do país. Houve outro momento em 2009 quando esperamos que o povo do Irã iria chutar os mullas do governo. E houveram outros momentos em que tinhamos certeza de estarmos próximos de uma paz com a Siria e os palestinos. Hoje, a corrente virou e as esperanças de Israel estão se desfazendo.
Neste momento, estamos num processo histórico paralelo ao pós 1979. O processo que viu o Egito de Sadat assinar a paz com Israel e o Irã ser jogado numa ditadura islâmica fundamentalista. Esta mesma ditadura que coordenou a morte de Sadat, que criou o Hamas e o sufocou o Líbano. O processo que viu a Turquia se distanciar do ocidente e a irmandade islâmica procurar tirar vantagem da bagunça no Egito para tomar o poder, repetindo o feito do Irã de 32 anos atrás. O processo que culminou no Irã próximo da bomba nuclear.
Não há cultura de democracia no Oriente Médio e estas mudanças mostram que não podemos mais esperar calma com o Egito e a Jordania. No caso do Egito, com todas as armas sofisticadas fornecidas pelos Estados Unidos, ele será uma ameaça estratégica genuina. Israel hoje tem que estar em alerta vermelho em todas as suas fronteiras.
Na semana passada falei de como Obama havia se comportado mal em relação ao que estava se passando no Egito, totalmente jogando um aliado dos Estados Unidos aos cães. Depois de uma semana tentando convencer Mubarak a sair do governo, ontem, seu enviado à região disse que talvez fosse melhor Mubarak ficar até completar a transição. Esta ambivalencia é mais do que tudo prova de que Obama não sabe o que está fazendo em política externa. Obama não queria se ver do lado errado da história, nem de ter abandonado as massas de egípcios que exigem democracia e as liberdades que os americanos têm. Mas a posição firme que eu advoguei na semana passada, de ficar do lado de Mubarak e ao mesmo tempo exigir dele novas eleições e reformas, hoje não se aplicam.
A América de Obama subestimou o perigo da Irmandade Islâmica que é extremamente flexível e paciente, e sabe quando usar a violência ou tomar o poder. Hoje Hilary Clinton disse que é possível conversar com a Irmandade para inclui-los no processo democrático. O que ela parece esquecer é a antipatia que a Irmandade muçulmana tem pela democracia, pela igualdade e tolerância e seu brutal anti-semitismo e hostilidade a Israel.
Os Estados Unidos deveriam ter deixado bem claro que grupos assim não poderão ser incluidos num próximo governo egípcio – e depois de falhar com o povo iraniano em 2009, deveria fazer de tudo para encorajar a liderança secular e moderna no Egito. Deveria ainda ter deixado claro que para continuar recebendo a ajuda de bilhões de dólares dos Estados Unidos, que todos os partidos deverão se obrigar a manter os tratados passados inclusive o de paz com Israel e se comprometerem a combater o Hamas. Em vez disso, a Casa Branca escolheu encorajar a “representação democrática” seja lá o que isso for incluindo “partidos não seculares” em claro apoio à Irmandade islamica.
E enquanto a America está tropeçando em seu caminho para alcançar os eventos, o Irã, vendo as coisas penderem para o seu lado está nos dando uma lição de cinismo político. Menos de 2 anos após ter rolado por cima de seus demonstradores, enforcando dezenas deles em praças públicas, Teherã está apoiando e elogiando a coragem, o espírito e a legitimidade do povo egípcio.
Da perspectiva Israelense, estes eventos mostram sua vulnerabilidade. Territorial e demograficamente reduzida pelos vizinhos, Israel não mais tem aliados na região e não muitos além dela. A Europa aceitou a mentira das “fronteiras de 1967” para um estado palestino e a administração Obama pelos seus atos e pressões nos últimos dois anos mostrou a mentira das promessas de campanha, do vínculo inquebrável da América com Israel.
O que estes protestos mostraram é que os árabes podem não gostar de israelenses e seus assentamentos na Judéia e Samária. Eles podem não gostar de judeus em geral. Mas parece que eles gostam menos ainda de terem suas vidas definidas e arruinadas por ditadores.
Talvez se os países do ocidente estivessem menos obscecados com assentamentos e boicotes a Israel e tivessem olhado o que estava se passando na Tunisia, Yemen, Jordania e Egito, eles tivessem visto os sinais de perigo e teriam encorajado reformas para ajudar o povo.
Mas nestes dias e semanas de tumulto regional, ficam evidentes os riscos de fazer concessões na esperança em vez de na certeza de obter a paz, o risco de negociar com regimes que não têm uma genuína legitimidade ou a capacidade de honrar a longo prazo acordos assinados. Será que os líderes no ocidente ainda acreditam que a melhor política é pressionar Israel a se retirar para as linhas de armistício de 1948 – agora que está cercada pelos brutos da Síria, os libaneses controlados pela Hizbullah, o regime incerto da Jordania, o Hamastan de Gaza e um Egito totalmente imprevisível?
Será que não está na hora destes países mostrarem um pouco de humildade e repensarem sua política no Oriente Médio? Será que eles não podem por uma vez ouvirem atentivamente as preocupações israelenses? Em março de 1979 Israel assinou a paz com o Egito. Em abril do mesmo ano o Irã se tornou uma republica islamica. Agora, mais do que nunca, temos certeza que irá ser o evento do Irã e não a paz com o Egito que irá definir o curso da história no Oriente Médio.
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