A semana passada comentei que o atual presidente da
Síria teria dobrado o número de mortos mandados por seu pai na repressão à
revolta de Hama em 1982. Estava errada. De acordo com a própria ONU, o número é
três vezes mais, ou seja, 60 mil pessoas mortas neste confronto pela remoção de
Assad da liderança da Síria.
De acordo com o jornal Los Angeles Times da
semana passada, as autoridades do Irã estariam tentando negociar um regime
transitório com a oposição da Síria. Até agora o Irã não mostrou sinais de que
estaria preparado para abandonar Assad mas pode ter chegado à conclusão de que precisa
tomar medidas para proteger seus interesses na Síria se ele não puder ser salvo.
Para aqueles preocupados com um possível conflito entre
o Irã e os Estados Unidos, este é o momento da verdade. A perda de seu maior
aliado na região pode mudar a posição do Irã. A pergunta é: será que os mullas
decidirão tirar o corpo fora deste conflito antes do Irã ficar ainda mais
isolado ou se endurecerarão, procurando aumentar o número de mísseis e outras
armas nas mãos de Assad?
De qualquer modo, o curso da guerra civil na Síria
poderá determinar a posição que os Estados Unidos tomarão – se se envolverem
militarmente no conflito ou esperarem para ver se a situação tanto na Síria como
no Irã se deteriora ao ponto de inutilizar seus sonhos de hegemonia na região.
Os iranianos ainda não aceitam que seu aliado será
removido. O governo sírio está tentando salvar no mínimo, a estrutura do seu
estado, estudando um “assadismo” sem Assad. Isto significa ter um estado
dominado pelos Alawitas alinhados com o Irã, oferecendo à maioria sunnita mais
espaço econômico e político na vida do país.
É pouco provável que a oposição aceite isto por agora,
mas se a situação militar se estabilizar, Teerã esperará que o mundo pressione
os sírios a uma solução negociada nestes termos.
E esta parece também ser a visão da Russia nesta guerra.
Moscou não quer ver a Síria se juntar ao bloco sunita no Oriente Médio com medo
de fortalecer os jihadistas sunitas do seu território do Cáucaso. E como o Irã,
a Russia também investiu anos na sua relação com o clã dos Assad e em assistência
econômica e militar. Além disso, a Russia se vê como protetora da minoria
cristã ortodoxa da mesma forma que o Irã se vê como protetor da minoria alawita
do país. Se uma oposição sunita tomar o poder, ambas as minorias estarão em
grave perigo de serem massacradas numa vigança sunita desenfreada.
A queda do regime de Assad seria um golpe duro para
ambos os países mas para o Irã a coisa é mais crítica. Ele perderá o pé do lado
mediterrâneo do Oriente Médio, fundamental para a sua política de expansão. A
Síria fica no meio do crescente entre o Iraque e o Líbano, nos quais o Irã
ergueu governos e grupos terroristas vassalos. A Síria também era o meio de
apoio à Hezbollah na articulação de uma aliança anti-Israel com o Hamas mais ao
sul, em Gaza.
Tudo isso fazia os árabes sunitas admirarem o Irã e
faze-lo aparecer menos “persa” ou menos “herético” a seus olhos, apesar das
diferenças religiosas. Isto permitiu ao Irã reclamar a liderança do mundo
muçulmano na guerra santa contra o ocidente.
O Hamas já rejeitou a Síria e está se distanciando do
Irã; a Hezbollah está quieta e mais preocupada em proteger sua vulnerável posição
no Líbano.
Olhando mais a frente, uma vitória dos sunitas na
Síria, poderia trazer ao país jihadistas radicais Sauditas que armariam os
sunitas no Iraque par um outro round de guerra civil naquele país. Nesta nova
onda, os sunitas contariam com a ajuda da Turquia, dos países do Golfo Árabe e
da Síria libertada. Isto reduziria a influência do Irã na região de modo
substancial.
Adicione isso às sanções econômicas que o Irã já sofre
e concluimos que restam poucas opções aos mullahs. Mas há ainda mais um
aspecto. O Irã também é multiétnico com uma significativa população sunita e
shiitas pró-democracia que querem derrubar os ayatolahs. Esta oposição não
deixará passar a oportunidade para também tentar derrubar o governo. O Supremo
Líder não conseguirá escapar quando confrontado com estas pressões esmagadoras.
Hoje não conseguimos nem imaginar quem liderará estes países daqui a 5 ou 10
anos.
Como em outros casos, a arrogância e as idéias
infladas sobre dominação do mundo não deixaram o Irã se aproximar dos Estados
Unidos para uma negociação séria. A extensão da aceitação de uma posição mais
realista, renúncia às suas ambições nucleares e limitação de sua influência na
região, será diretamente proporcional aos reveses políticos sofridos pela
Republica Islâmica.
Mas não vamos comemorar ainda. O Irã sabe que mais do que
qualquer outro, é o país mais importante para o equilíbrio do Oriente Médio. Uma
coisa é negociar com os mullahs em posição de força e outra em posição de
fraqueza. Um Irã fraco dará aos Estados Unidos a oportunidade e flexibilidade necessárias
para alcançar a eliminação da ameaça nuclear.
Apesar da aparência de uma iminente vitória dos
rebeldes na Síria, é ainda muito cedo para dizer com certeza que Assad está
fora. Além disso, os rebeldes têm seus próprios problemas. Quanto mais durar a
guerra mais expostos a divisões, brutalidade, corrupção e incompetência estarão,
o que causará a perda do apoio popular.
Mas será somente quando o Irã perder toda a esperança
que Assad se manterá no poder que o debate real sobre o futuro da região poderá
ocorrer.
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