Um evento ou melhor, um não
evento durante a Assembléia Geral das Nações Unidas passou quase desapercebido
pela mídia. Quando o ministro das relações exteriores da Arábia Saudita, o
veterano Príncipe Saud al-Faisal, recusou a discursar no plenário pela
primeira vez, seu silêncio não poderia ter sido mais eloquente.
Para a maioria dos países, uma
tal recusa pode ser considerada não mais do que uma torcida de nariz, mas para
a Arábia Saudita, isto tem outras implicações bem mais graves.
A Arábia Saudita sunita está
numa luta de vida ou morte pelo futuro do Oriente Médio com seu arqui-rival o
Irã shiita e está furiosa com a ONU por não ter tomado qualquer atitude em
relação à Síria, que é apoiada por Teerã. Não só ela está fula com a China e a
Russia que vetaram toda ação do Conselho de Segurança, mas pela primeira vez,
está irada com os Estados Unidos. Hoje o mundo árabe está convencido que a
América abandonou seus amigos com políticas que eles consideram ingênuas e
fracas.
O sentimento saudita é similar
ao de Israel: que Barack Obama está permitindo ao seu inimigo comum, uma
vantagem que pode ser irreversivelmente fatal. Membros desta administração
americana não acreditam que sua aliança com a Arábia Saudita, a monarquia islâmica
- que domina o suprimento de petróleo no mundo - esteja em qualquer perigo. Mas
como ocorreu há 40 anos atrás quando a OPEC puniu os Estados Unidos com um
embargo de petróleo por seu apoio a Israel, a Arábia pode estar disposta a
desafiar Obama em defesa de seus interesses regionais.
Estes interesses incluem o
curso tomado por Obama no Egito desde a Primavera Árabe e a ajuda aos rebeldes sunitas
na Síria.
O foco da ira saudita são os
clérigos shiitas que pregam a revolução nos países árabes governados por
sunitas. Além da omissão americana em ajudar os rebeldes sunitas na Síria,
Riyadh viu com horror Obama estender sua mão a Rouhani, o novo presidente do
Irã.
Robert Jordan, ex-embaixador
americano em Riyadh disse esta semana que o pior pesadelo dos sauditas seria um
acordo entre esta administração americana e o Irã. Um acordo que permitiria a
inspeção das usinas nucleares iranianas contra uma tácita permissão para que
os mullas continuem sua campanha para dominar o mundo árabe.
Abdullah al-Askar, presidente
da comissão em política internacional do parlamento saudita expressou sua
preocupação dizendo que se a América e o Irã chegarem a um entendimento, será
ao custo do mundo árabe, dos países do Golfo e especialmente da Arábia Saudita.
Numa rara aparição na mídia e ao
lado de Adly Mansour, presidente interino do Egito, o rei Abdullah condenou o
terrorismo, decepção e sedição da Irmandade Muçulmana. Estas poucas palavras
mostraram o tamanho da ravina existente entre a América e a Arábia nos assuntos
do Oriente Médio.
Foi a retirada do apoio a Hosni
Mubarak e o apoio de Obama à Irmandade Muçulmana que primeiro chocou a realeza
saudita, instaurando neles uma profunda desconfiança ao ver um amigo ser
abandonado por Washington desta forma. A subsequente reverência de Obama a
Mohamed Morsi os contrariou ainda mais pois eles vêem a Irmandade Muçulmana
como uma ameaça ao seu governo dinástico. Por isso, quando Obama ameaçou cortar
a ajuda ao Egito, Riyadh ofereceu compensar a perda, de fato minando a política
americana e mandando um recado que os sauditas estão prontos a seguir seu
próprio caminho.
Normalmente, os sauditas não
tomariam uma decisão contra os interesses americanos. Hoje, parece que passaram
desta fase e se não for de seu interesse, os sauditas não se curvarão mais à
América.
O conflito na Síria é visto
pela Arábia Saudita como uma batalha que irá definir o Oriente Médio, entre
líderes árabes pró-ocidente e o Irã não-árabe. Por mais de um ano, os sauditas
pressionaram Obama a se envolver na guerra civil ou com ataques aéreos diretos
ou fornecendo ajuda militar aos rebeldes sunitas. Quando centenas de civis
morreram no ataque químico em agosto, os sauditas esperavam finalmente uma
reação de Obama à quebra de sua própria linha vermelha. Mas o subsequente acordo
negociado com a Russia, foi uma vitória para Teerã e para os sauditas um
verdadeiro tapa na cara.
A Arábia Saudita e o Irã se
vêem como os representantes de visões opostas do Islamismo: os sauditas,
guardiões de Meca e de uma hierarquia sunita conservadora; os shiitas
iranianos, a vanguarda da Revolução que se propõe “libertar” o mundo árabe supostamente
oprimido.
Na última década os sauditas
assistiram alarmados como as populações shiitas nos países árabes vizinhos se
fortaleceram, dominando a política no Líbano e no Iraque e encenando rebeliões
em Bahrain e no Yemen numa estratégia que parece querer cercar a Arábia
Saudita.
Mas o Irã não parou aí. Conseguiu
fomentar agitações e protestos violentos da minoria shiita na própria Arábia
Saudita, membros da guarda revolucionária iraniana foram pegos planejando o
assassinato do embaixador saudita em Washington, além de ter conseguido implantar
uma rede de espionagem no reino saudita.
Se os Estados Unidos permitirem
que o Irã ganhe a Síria, a que conclusão devem chegar os sauditas?
Os príncipes da Arábia são
políticos muito hábeis. Eles não se teriam mantido no poder todo este tempo se
não o fossem. Até agora, a maioria das administrações americanas, sejam
republicanas ou democratas, sempre ouviram seu conselho, inclusive sobre os
iranianos. Mas a divergência de hoje que começou com o Egito e se solidificou
com a Síria, está empurrando os sauditas contra a política americana.
Na próxima quarta-feira será o
aniversário de 40 anos do embargo árabe do petróleo que causou o caos na
economia americana e mundial. Hoje um suprimento estável de petróleo é de
suprema importância para os Estados Unidos e a Europa saírem da atual crise
econômica mas a Arábia Saudita pode estar preparada a seguir seu próprio
caminho.
Muitos analistas e diplomatas
no Golfo Pérsico dizem que os Estados Unidos estão pressionando os sauditas a
não entregarem armas como mísseis terra-ar para os rebeldes sírios, com medo
que caiam nas mãos de militantes islamistas da Al-Qaeda.
Esta é uma área que os sauditas
podem decidir contrariar os americanos. Mustafa Alani, um analista Iraquiano
baseado na Arábia e ligado à família real disse que não há divergência em
opinião sobre a política de Obama. Ele afirmou que não há mais um só príncipe
que simpatiza com ele. Eles acham que Obama perdeu a cabeça.
E aos poucos, Obama conseguiu o
que ele pretendeu desde o princípio: minar a influência americana no Oriente
Médio e no resto do mundo sem se importar quem poderia ser sacrificado no processo.
Ele só esqueceu que alguns sacrifícios como a Arábia Saudita e Israel não
subirão ao patíbulo em silêncio.
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