Sunday, July 8, 2018

Os Compromissos de Valores Que Israel Não Pode Fazer - 8/7/2018


Na abertura de seu épico documentário “Shoah” de 1985, o diretor francês Claude Lanzmann reconta a historia de Simon Srebnik que aos 13 anos de idade, sobreviveu a um tiro na cabeça, na última “limpeza“ de judeus que os alemães tentaram fazer apenas dois dias antes da chegada do exército vermelho no campo de extermínio de Chelmno na Polônia.

Srebnik foi um dos dois únicos sobreviventes de Chelmno, aonde mais de 300 mil judeus foram exterminados. Chelmno era um dos seis campos de extermínio na Polônia, junto com Treblinka, Sobibor, Auschwitz-Birkenau, Belzec e Majdanek.  

Lanzmann fez Simon Srebnik retornar ao vilarejo de Chelmo, 40 anos depois não só para filmar suas reações, mas ouvir a sua narrativa, a dos moradores locais e a dos perpetradores do maior genocídio da história.

Quando os locais viram Srebnik se lembraram dele, por causa de sua voz porque os nazistas o forçavam a cantar para eles, e disseram que estavam felizes em vê-lo. Eles contaram que ele parecia um cadáver naquela época, e que "não podiam não saber" o que estava acontecendo ao lado. "Os judeus gemiam de fome", disse um morador. E, no entanto, embora soubessem que os judeus estavam passando fome e sendo mortos diariamente em caminhões de gás, os moradores de Chelmo disseram que a razão pela qual os nazistas queriam matá-los é "porque eles eram os mais ricos". Que suas malas - mantidas na igreja local - estavam "cheias de ouro", e que "eles também tinham ouro em suas roupas" e "objetos de valor".  

Neste ponto da entrevista, o antissemitismo subiu a um nível desagradável - do judeu ganancioso e amante de ouro - para outro: os assassinos de Cristo. "Os judeus condenaram o inocente Cristo à morte", parecia um detalhe pertinente para um morador, que alegou que o rabino de Chelmo chegou a confessar sua culpa pela morte de Jesus.

Em outras palavras, eles estavam contentes de ver Srebnik vivo - mas se tivesse sido assassinado, o teria merecido.

Mais da metade dos seis milhões de judeus assassinados no Holocausto eram poloneses. Não foi por acaso que os campos de extermínio foram construídos na Polônia. Os nazistas contavam com a colaboração e o antissemitismo da população local.

Onde os governos e as populações se recusaram a colaborar, os nazistas tiveram muito pouco sucesso em exterminar os judeus. Como já disse aqui anteriormente, foi o caso da Dinamarca, mas especialmente da Bulgária. Em março de 1943, os búlgaros saíram às ruas de todo o país contra as leis raciais que afetavam os judeus e bloquearam os trilhos dos trens que os levariam à morte. Isto convenceu o governo a impedir o assassinato dos 48 mil judeus búlgaros. E isso apesar da Bulgária ter se aliado a Hitler durante a guerra!

Durante o Holocausto, em Jedwabne, os poloneses trancaram centenas de judeus em um celeiro e o atearam em fogo. Há muitas histórias de judeus que voltaram para suas casas depois da guerra e foram assassinados ou ameaçados por poloneses. Um exemplo famoso foi o Pogrom de Kielce de 1946 aonde 42 judeus foram assassinados acusados de um libelo de sangue. Em 1968, após a Guerra dos Seis Dias, o governo polonês “expurgou” os judeus das forças armadas e de seus empregos, chamando-os de quinta coluna. Mais de 20.000 judeus emigraram da Polônia nos anos subsequentes.

É compreensível que a Polônia não goste da expressão "Campos de extermínio Poloneses". Ninguém quer ser culpado de genocídio, mesmo que seja um termo geograficamente correto, não político. Mas isto está bem longe da tentativa de um país de não só negar seu papel neste capítulo negro da humanidade, mas apaga-lo de vez. Esta foi a motivação desta lei que pune pessoas por denunciarem a cumplicidade da Polônia e dos poloneses com os nazistas.

Na semana passada parecia que a crise havia passado. A notícia circulou que o governo polonês havia revisado a lei descriminalizando a conduta de acusar a Polônia e os poloneses. O primeiro ministro polonês, Mateusz Morawiecki publicou uma declaração conjunta com o premier israelense Benjamin Netanyahu aparentemente resolvendo o impasse entre os dois países. Mas a crise voltou com toda a força na quinta-feira quando a Polônia resolveu publicar o conteúdo da declaração em Hebraico nos jornais de Israel e na língua de cada país da Europa. A Polônia nem se importou que a declaração impunha a publicação da declaração somente em Inglês que fora o texto acordado.

E o texto em hebraico, alemão, francês e polonês adota completamente a versão distorcida da história que a Polônia quer vender. O tapa na cara da Polônia foi tão escandaloso que o Yad Vashem, o Museu do Holocausto e repositório de toda a memória do genocídio judeu, categoricamente rejeitou a declaração, dizendo que ela continha graves erros e decepções.

Primeiro, a declaração compara a tragédia dos judeus do contexto histórico e da realidade da Polônia ocupada dizendo que “algumas pessoas, de todas as origens, religião e visões do mundo, revelaram seu lado negro durante aquela época”. Além da insinuação escandalosa que judeus também “revelaram seu lado negro naquela época”, os que revelaram este lado negro não eram sem identidade. Eles eram poloneses católicos que colaboraram com as forças de ocupação nazista, que eles supostamente odiavam, a perseguir os judeus poloneses.

Segundo, a declaração equipara o antissemitismo com anti-Polonianismo condenando o primeiro e rejeitando o segundo. Isto é um verdadeiro escândalo. Quem está sendo atacado na rua por ser polonês em 2018? Enquanto isso, o antissemitismo na palavra e na ação violenta está em ascensão.

É verdade que a Polônia foi ocupada pelos nazistas. Ao contrário de outros países, ela não tinha o seu próprio governo colaborador nazista – excluída a polícia. E também é fato que o governo polonês no exílio puniu os colaboradores nazistas. Os nazistas também mataram milhões de poloneses não judeus. Também sabemos que haviam kapos judeus, ou “perpetradores judeus”, como Morawiecki os chama. E houveram vários casos de poloneses que esconderam, protegeram e salvaram judeus da morte. Todas essas declarações são verdadeiras. Mas nenhuma delas aborda o problema real do por que a Polônia, depois de 73 anos do fim da guerra, se sente compelida a punir qualquer um que diga que o Estado ou cidadãos poloneses participaram do Holocausto.

E isso nos leva à segunda questão: porque Netanyahu, filho de um historiador renomado, concordou com esta palhaçada? Será que o beneficio de manter uma boa relação diplomática e comercial com a Polônia, justifica o preço? Israel não está exatamente “isolada”. Nos últimos dois meses três países mudaram suas embaixadas para Jerusalem, o príncipe William da Inglaterra visitou o país, a Indonésia, o maior país muçulmano do mundo decidiu permitir a visita de turistas israelenses, o primeiro ministro húngaro, e o presidente filipino estão de viagem marcada.

Em geral, um país pequeno como Israel, isolado em sua região e enfrentando ameaças de todos os lados, não pode ser muito exigente quando se trata de construir laços com outros países. Mas um limite deve ser traçado. Para o único estado judeu, o antissemitismo e o Holocausto devem ser este limite.

Israel não pode comprometer a verdade. Ela tem um imperativo moral de não deixar o mundo ignorar o flagelo do antissemitismo, passado ou presente.

Parece digno Lanzmann tenha morrido nesta semana aos 92 anos. E como ele escreveu em sua autobiografia: "Eu não fiz o documentário 'Shoah' em resposta aos revisionistas e negadores do Holocausto: não se discute com essas pessoas."




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