Há vinte anos, no dia 11de setembro de 2001, eu cheguei particularmente cedo no escritório na rua
45 e 5ª avenida em Nova Iorque. Estava com viagem marcada para o Brasil naquela
noite para o casamento da minha irmã que ocorreria dois dias depois.
Depois de fechar
a mala em casa, e para evitar o trânsito da manhã, decidi fazer a pé os poucos
quarteirões e aproveitar o céu especialmente azul e o ar límpido e fresco do
mês de setembro, que anuncia a chegada do outono. O dia estava tão brilhante
que ao cruzar a 5ª avenida, pude ver as torres do World Trade Center no sul da cidade.
Comecei a
responder a e-mails e a fazer minha agenda da viagem. Meu escritório ficava junto a uma corretora de
valores que tinha várias televisões penduradas sem voz. Minha janela dava para
a 5ª avenida.
De repente,
ao levantar os olhos do computador, vi a notícia em um dos televisores que um
pequeno avião havia atingido uma das torres do Twin Towers. Meu primeiro
pensamento foi que deveria ter sido um novato pilotando um monomotor para não
ter conseguido desviar de um prédio tão colossal numa manhã sem uma nuvem
sequer no céu. Aí as imagens começaram a popular todos os canais. O tamanho do
rombo, para quem conhecia os edifícios não podia ser de um avião pequeno. O
rombo era enorme.
Pouco a
pouco, todos os corretores, assistentes e outros como eu começaram a se
levantar em silencio e olhar para aquelas imagens terríveis. Ouvi alguém dizer “que
acidente horrível”! Ela nem terminou a frase quando outro avião bateu na outra
torre. Ninguém se mexeu. Estávamos todos congelados, com os pés pregados no
lugar. Daí para frente tudo pareceu acontecer em câmera lenta.
Devagar olhei
para minha mesa e olhei para a rua. A imagem ainda está entalhada na minha
memória. As pessoas não se mexiam, todas olhando em direção às torres. Os
carros parados e motoristas e passageiros ao lado, de pé com suas mãos na boca.
Pareciam ter ficado assim uma eternidade. Parecia que o tempo tinha parado.
Logo tentei
falar com minha outra irmã que também morava em NY e que ia frequentemente para
o World Financial Center que ficava na frente das torres. As linhas estavam todas
congestionadas. Tentei ligar para o Brasil e consegui falar brevemente com a família,
avisando que eu estava bem. Felizmente minha irmã também conseguiu ligar para eles
e assim fiquei sabendo dela.
E aí um outro
sobressalto e gritos abafados dos corretores. Um outro avião havia atingido o
Pentágono. O noticiário falava de um quarto avião que estaria se dirigindo para a Capital
Washington. E enquanto continuávamos trocando os olhos entre as telas e o
telefone, vimos a torre sul implodir e depois a torre norte. E o dia ficou
escuro. Pela janela uma camada de poeira subiu a 5ª avenida. E só então, sem
quase trocarmos uma palavra, pegamos nossas coisas e fomos para a rua.
Lentamente
peguei a direção de casa. As ruas completamente desertas. As lojas, os delis,
tudo fechado. Parecia que estava num inverno nuclear. Num filme de ficção
científica onde todos morrem e você é o único sobrevivente.
Obviamente
ninguém viajou naquele dia. Fui até a estação de polícia perto de casa e me
ofereci como voluntária para o que fosse preciso. Por dois dias fiz sanduiches
para os policiais e outros voluntários que estavam escavando o local a procura
de sobreviventes.
E foi aí que
o pesadelo começou. Sim porque até então, a coisa toda parecia surreal. Parecia
que iriamos acordar a qualquer momento. Mas não.
O caminho
para o trabalho se tornou uma via dolorosa. Durante meses, além da poeira, das
cinzas e do cheiro intolerável de queimado no ar, centenas de pessoas com fotos
de seus entes queridos encheram as ruas parando pedestres com os olhos suplicantes
por alguma notícia. Quem sabe vimos aquele filho sorridente em algum hospital? Ou
aquela mãe cortando um bolo de aniversário? Ou quem sabe aquele pai abraçando
um bebê estivesse vagando nas ruas ferido.
Estas eram
pessoas reais. Filhos, filhas, mães, pais, avós, amigos, colegas. Quase 3 mil
pessoas morreram naquele dia entre eles, 412 policiais e bombeiros que em vez
de fugirem do perigo, correram para ele. Muitos que estavam de folga e até
recém aposentados.
Logo
começaram as incontáveis procissões funerárias na Catedral de St. Patrick, no
coração da cidade. Não dava para não parar e fazer uma pequena prece por aquelas
famílias de preto, de luto, nos pés da escadaria da catedral. Foi muito difícil
manter a compostura e não chorar. A dor de cada família, infinita.
Os
nova-iorquinos, conhecidos por sua atitude profissional e pouco cordial, de
repente mostraram seu lado humano. Milhares se voluntariaram. Doações começaram
a jorrar, de sangue a dinheiro, e organizações de assistência foram formadas.
As pessoas
que não viveram este momento em Nova Iorque não podem imaginar o que foi aquilo.
Morávamos no centro financeiro e na cidade mais importante da maior potência do
mundo. E em menos de uma hora, o cartão postal do que era Nova Iorque tinha
mudado para sempre junto com nossas vidas.
Hoje temos
que passar por detetores de metal e raios-x, tirar nossos sapatos e passar por
revistas corporais se quisermos pegar um avião. Sim, porque os terroristas islâmicos
não se satisfizeram com os ataques de 11 de setembro. De 2002 até hoje, mais de
2000 pessoas no mundo inteiro foram mortas em nome desta ideologia pré-histórica
que quer retornar o mundo para a época de Maomé no deserto da Arabia Saudita, para a idade da pedra.
Uma ideologia
que, no Afeganistão, havia sido deixada para trás, reduzindo a mortalidade de mulheres em 50% e
aumentando sua alfabetização em 40%. Uma ideologia que infelizmente já está sendo reinstalada no
Afeganistão. As mulheres não poderão sair de casa, a não ser acompanhadas por
um macho de sua família. Não poderão estudar, trabalhar ou decidir seu destino.
Voltarão a ser propriedades de seus guardiões. Se você é uma viúva e não tem
filhos homens, um pai ou um irmão, pior para você. Morra de fome. Mesmo se
tiver um diploma universitário. Se sair, será sumariamente executada. Não pode
nem mendigar nas ruas.
Foi esta
ideologia que protegeu e escondeu Bin Laden durante décadas. E se 20 anos atrás
entramos no Afeganistão para nos certificarmos que seu território não seria
mais usado como base para nos atacar, Joe Biden resolveu se render a eles. Ele
queria de todo o jeito declarar no 20º aniversário dos ataques, que a guerra no
Afeganistão tinha chegado ao fim. Ela não chegou ao fim. Ela acabou de ficar
pior. Há 20 anos, a América destronou o Talibã. Hoje eles voltaram e pior,
armados com 85 bilhões de dólares em equipamento de guerra dos mais avançados.
O Afeganistão hoje tem mais helicópteros de ataque Black Hawk que a Australia.
Que a Inglaterra.
Não podendo
com sua vergonha, Biden nem um discurso fez nas cerimonias de ontem. Ele
convidou os ex-presidentes Obama e Clinton para marchar com ele, todos em
silencio. Trump preferiu marchar à frente dos policiais e bombeiros de NY que o
receberam como herói.
A causa da ira
e críticas contra Biden, vêm do sentimento que todas as 2,997 vidas perdidas em
11 de setembro e nos dias subsequentes, as vidas de 2.461 soldados americanos, de
3,846 provedores de serviço americanos, de 1,144 soldados de outras nações, de milhares
de afegãos, todas estas vidas foram perdidas em vão.
Como todos os
anos, ontem lemos os nomes e honramos o legado dos que se foram. E cada um
repassa a memória que carrega daquela manhã. Uma manhã que fez brotar o melhor
de nós, do nosso patriotismo, da nossa solidariedade e sacrifício. Naquela
época não houve brancos, negros, nacionais, imigrantes, seculares, religiosos, heteros
ou homos. Éramos todos americanos.
E é este sentimento que busco quando vejo a que ponto chegamos na divisão e verdadeira demência da sociedade de hoje. É o cantinho onde guardo o que há de melhor no ser-humano. E é onde vou buscar esperança para o próximo ano, neste Yom Kippur.
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