Sunday, March 6, 2022

Porque Putin Irá Perder a Guerra - 06/03/2022

 

Para pessoas que se importam com a história, para não repetir seus erros, parece ser quase surreal o que está se passando na Ucrânia. Qualquer estudo passageiro dos horrores da Segunda Guerra, ocorrida há meros 77 anos, com suas dezenas de milhões de mortos e as juras de nunca mais, seriam suficientes para dizermos “isso não vai ocorrer outra vez, não durante minha vida, não na Europa”.

Mas aí estamos. Há 11 dias a Rússia invadiu um país perfeitamente soberano, sem qualquer aviso ou provocação, bombardeando indiscriminadamente alvos civis e criando a maior onda de refugiados europeus desde a Segunda Guerra. São já quase um milhão e meio de refugiados. 1/3 deles cruzaram a fronteira da Ucrânia com a Polônia. A maioria são idosos, mulheres e crianças. Eles não sabem para onde irão, quando retornarão e quem encontrarão ao retornar. De uma vida normal, de casa, família, trabalho, planos a concretizar, eles foram empurrados para uma jornada cujo fim é desconhecido.

Os refugiados são recebidos na fronteira por voluntários da Polônia e de outros países europeus, que vêm ajudar, com alimentos, produtos básicos e agasalhos. Israel enviou médicos que operam os únicos hospitais de campo nas fronteiras para atender os feridos e exaustos. Muitos andaram dezenas de quilômetros, num frio gélido, outros descem de ônibus numa temperatura de -4 C e tentam decidir o que fazer, com apenas coisas que conseguiram levar na mão. Mas o fluxo também vem da outra direção. Jovens ucranianos estão vindo de todas as partes do mundo, optando por retornar ao seu país para combater os russos.

Com este avanço na Ucrânia, Putin está marchando para seu túmulo. Ele vai sofrer uma derrota histórica. Ele pode até ganhar todas as batalhas, fazer da Ucrânia uma pilha de escombros, mas ele vai perder a guerra. E talvez, tenha chegado a hora do seu julgamento por tantas atrocidades não só as que ele está cometendo hoje, mas as passadas, cometidas para chegar aonde está.

A mídia e especialistas na Rússia ficam repetindo que Putin está com sua saúde mental afetada, que ele não é mais o Putin de antigamente, que está paranoico, e daí por diante. Mas é só olharmos como se deu a ascensão de Putin para vermos que ele é o mesmo. De fato, não mudou nada.

Putin foi um oficial de inteligência estrangeira da KGB por 16 anos até 1991 quando decidiu entrar na política em São Petersburgo. Em 1996, ele se juntou à administração de Boris Yeltsin quando foi brevemente diretor do Serviço de Segurança Federal. Aí, em agosto de 1999, inesperadamente, Yeltsin escolheu o completamente desconhecido Putin, para ser primeiro-ministro. Em dezembro, Yeltsin resignou como Presidente e apoiou Putin para o cargo. O problema é que Putin não era conhecido pelo povo que naquele momento de transição, via oficiais da KGB com muita suspeita.

Aí aconteceram os bombardeamentos dos edifícios residenciais em Moscou nos quais mais de 300 pessoas morreram. Putin jurou chegar aos responsáveis e culpou os Chechenos. Isso permitiu a Putin invadir a Chechênia e destruir qualquer sonho de independência da região. Com isso, Putin foi eleito em 2000 com 53% dos votos e reeleito em 2004.

No entanto, um ex-agente da KGB, Alexander Litvinenko que fugiu para o ocidente, afirmou que o culpado dos bombardeamentos dos edifícios em Moscou era o Serviço de Segurança Federal russo. Litvinenko foi assassinado em Londres em 2006, por dois agentes russos. Antes de morrer, Litvinenko fez a seguinte declaração: “… esta pode ser a hora de dizer uma ou duas coisas sobre a pessoa responsável pela minha condição atual. Você pode conseguir me silenciar, mas esse silêncio tem um preço. Você se mostrou tão bárbaro e implacável quanto alegaram seus críticos mais hostis. Você mostrou que não tem respeito pela vida, liberdade ou qualquer valor civilizado. Você se mostrou indigno de seu cargo, indigno da confiança de homens e mulheres civilizados. Você pode conseguir silenciar um homem, mas o uivo de protesto de todo o mundo repercutirá, Sr. Putin, em seus ouvidos pelo resto de sua vida. Que Deus o perdoe pelo que fez, não apenas a mim, mas à amada Rússia e seu povo.”

O jornalista que entrevistou Litvinenko no programa Dateline da NBC, Paul Joyal foi baleado 4 dias depois que o programa foi ao ar, e quase morreu. No programa ele disse que “uma mensagem tinha sido enviada para qualquer um que falar contra o Kremlin: “se o fizer, não importa quem você é, onde você está, vamos encontra-lo e vamos silencia-lo – da maneira mais horrível possível”.

O sonho de Putin de reconstruir o império russo, começando com a Ucrânia, se baseia na mentira que ele tentou inculcar aos russos, inclusive a seus soldados, de que a Ucrânia não é uma nação real, que os ucranianos não são um povo real e que os habitantes de Kiyv, Kharkiv e Lviv anseiam pelo governo de Moscou. Isso é uma mentira completa – a Ucrânia é uma nação com mais de mil anos de história, e Kiyv já era uma grande metrópole com mais de 600 anos quando Moscou ainda não era uma vila. Mas Putin, contou essa mentira tantas vezes que aparentemente ele mesmo acredita nela.

Ao planejar sua invasão da Ucrânia, Putin contou com três fatores: o primeiro é que militarmente a Rússia é superior à Ucrânia. O segundo, é que a Otan não iria se intrometer. E o terceiro, é que a dependência europeia do petróleo e do gás russo faria com que países como a Alemanha não imporiam sanções rígidas. Com base nesses fatos conhecidos, seu plano era de tomar a Ucrânia rapidamente, decapitar seu governo, estabelecer um regime fantoche em Kiyv e enfrentar as magras sanções ocidentais para as quais ele já estava preparado.

Mas havia uma grande incógnita sobre esse plano. Como os americanos aprenderam no Iraque e os soviéticos no Afeganistão, é muito mais fácil conquistar um país do que mantê-lo. Obvio que Putin poderia conquistar a Ucrânia. Mas será que o povo ucraniano simplesmente aceitaria o regime fantoche de Moscou? Putin apostou que sim. Afinal, como ele explicou repetidamente a qualquer pessoa disposta a ouvir, a Ucrânia não é uma nação real, e os ucranianos não são um povo real. Na Chechnia, na Georgia, e na Criméia em 2014, não houve resistência aos invasores russos, e mais importante: o mundo calou. Por que agora seria diferente?

A cada dia que passa, fica mais claro que Putin apostou errado. Desta vez, o mundo se levantou indignado. Empresas privadas como Apple, Google, Nike e hoje os cartões de crédito Visa e Mastercard fecharam suas operações na Rússia. Por seu lado, o povo ucraniano está resistindo de todo coração, conquistando a admiração do mundo inteiro – e vencendo a guerra na mídia. Ontem, cidadãos da primeira cidade tomada por Moscou, Kherson, saíram às ruas armados apenas com bandeiras ucranianas para enfrentar os soldados russos.

Sim. Muitos dias sombrios estão por vir. E os russos ainda podem conquistar toda a Ucrânia. Mas para vencer a guerra, os russos teriam que controlá-la, e isso só é possível com o consentimento do povo ucraniano. E isso parece improvável. Cada tanque russo destruído e cada soldado russo morto aumenta a coragem e a resistência dos ucranianos. E cada ucraniano morto aprofunda o ódio aos invasores russos. O ódio é a mais duradoura das emoções. Mas para nações abusadas, o ódio é um tesouro. Enterrado no fundo do coração, ele pode sustentá-las por gerações. Para restabelecer este seu império russo, Putin precisaria de uma vitória relativamente sem derramamento de sangue que levaria a uma ocupação relativamente sem ódio. Ao derramar cada vez mais sangue ucraniano, Putin garante que seu sonho nunca será realizado.

Não será o nome de Mikhail Gorbachev escrito na certidão de óbito do império russo: será o de Putin. Gorbachev deixou russos e ucranianos se sentindo como irmãos; Putin transformou-os em inimigos e garantiu que a nação ucraniana de agora em diante e para sempre, veja a Rússia como inimiga.

Putin não levou em conta que nações são construídas sobre histórias. Cada dia que passa ele está acrescentando mais histórias que os ucranianos contarão não apenas nos dias sombrios que virão, mas nas próximas décadas e gerações. O presidente que recusou a fugir da capital, dizendo aos EUA que não precisa de uma carona, mas de munição; os soldados da Ilha das Cobras que mandaram um navio de guerra russo “ir se ...” vocês entendem; os civis que tentaram parar os tanques russos sentando-se no seu caminho. O ucraniano que pulou sobre um tanque e fincou nele a bandeira ucraniana. Este é o material com os qual as nações são construídas. Elas são mais fortes e duram mais do que tanques.

As histórias da bravura ucraniana dão determinação não apenas aos ucranianos, mas ao mundo inteiro. Elas dão coragem aos governos das nações europeias, ao governo dos EUA e até mesmo aos cidadãos oprimidos da Rússia. Se os ucranianos se atrevem a parar um tanque com as próprias mãos, o governo alemão pode lhes fornecer alguns mísseis antitanque, o governo americano pode cortar a Rússia do Swift, e os cidadãos russos podem protestar contra essa guerra absurda.

Todos podemos nos inspirar a fazer algo, seja uma doação, receber refugiados ou ajudar na luta online. Não se enganem. A guerra na Ucrânia moldará o futuro do mundo inteiro. Se a tirania e a agressão vencerem, todos sofreremos as consequências. Não é mais possível ficar indiferente ou “neutro” por mais duras que sejam as consequências.

Essa guerra poderá durar muito. Talvez anos. Mas a questão mais importante já foi decidida. Os últimos dias provaram ao mundo inteiro que a Ucrânia é uma nação muito real, que os ucranianos são um povo muito real e que definitivamente não querem viver debaixo de um novo império russo. Seu hino nacional, titulado “A Gloria e a Liberdade da Ucrânia Não Morreu” adotado em 1992 na sua independência da União Soviética diz tudo. A principal questão deixada em aberto é quanto tempo levará para que essa mensagem penetre nas grossas paredes do Kremlin e da cabeça de Putin.

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