Quem não
gosta da situação no Oriente Médio, espera só um minuto. Ou para ser mais
exata, um dia.
Até ontem,
pensei em falar aqui sobre o antissemitismo que continua crescendo em todo o
mundo, o bombardeamento da sinagoga em Melbourne na Australia, o absurdo
relatório da Anistia Internacional e outras pérolas. Mas hoje acordamos com um
novo Oriente Médio e a queda do tirano e sangrento governo de Bashar al-Assad
da Síria. O pesadelo dos sírios que durou 54 anos, 34 dos quais ocupando o
Líbano, 13 numa horrenda guerra civil, cessou hoje. Pelo menos hoje.
Assad matou
nada menos que 400 mil dos seus próprios cidadãos, usando bombas e até armas
químicas contra regiões inteiras, incluindo subúrbios de sua própria cidade,
Damasco para continuar no poder. Qualquer um que expressasse qualquer crítica
era preso na infame prisão de Sednaya onde tortura e morte eram ocorrências diárias.
Quando a
guerra civil começou, Assad buscou e obteve a ajuda do Irã e da Rússia. Isso
porque os dois países investiram bilhões no país e têm grandes interesses na
Síria. Para o Irã, a Síria era o corredor para passar armas e apoio financeiro
para a Hezbollah no Líbano, seu maior e melhor treinado exército estrangeiro,
além de ter gastado bilhões em bases e armazéns no país. Os russos investiram
pesadamente e hoje controlam um porto e uma base aérea que dá a eles uma presença
no Mediterrâneo e a possibilidade de ameaçar a Europa.
E o incrível
é que provavelmente nada disso teria ocorrido não fosse o 7 de outubro de 2023,
quando o Hamas atacou Israel com uma barbaridade sem precedentes, pensando que iriamos
reagir como o exército sírio, que desbandou e fugiu. Em vez disso, Israel se
uniu e reagiu, destruindo o Hamas e a Hezbollah, quebrando o anel de fogo que o
Irã queria formar em torno do estado judeu. Com a Hezbollah dizimada, a Rússia
presa na guerra contra a Ucrânia, e o Irã enfraquecido devido ao ataque
israelense às suas bases e depósitos de mísseis, os rebeldes sunitas da Síria aproveitaram
a oportunidade e em menos de uma semana, libertaram as principais cidades
sírias, forçando Assad a fugir com sua família.
A pergunta
para nós agora, é: O que está acontecendo na Síria é bom ou ruim para Israel? E
como responder à pergunta "se meu inimigo que é inimigo do meu inimigo
está lutando contra meu inimigo, do lado de quem eu fico?" Ou, em outras
palavras, quem Israel menos gostaria de ver estacionado em sua fronteira com a
Síria: extremistas jihadistas xiitas apoiados pelo Irã ou extremistas jihadistas
sunitas apoiados pela Turquia?
Como a
resposta é nenhum dos dois, Israel provavelmente ficará fora desta briga, a não
ser que sua segurança seja ameaçada.
E quem são
estes rebeldes que hoje dominam a Síria?
Eles não são
um grupo, mas uma aliança de jihadistas sunitas radicais, antes aliados à
Al-Qaeda (chamada Hayat Tahrir al-Sham), e islâmicos apoiados pelo presidente
turco Recep Tayyip Erdogan. Todos são liderados por Abu Mohamed al-Jalani, que
está na lista dos terroristas procurados pelos Estados Unidos com uma
recompensa de 10 milhões de dólares por sua captura.
O problema é
que o que acontece na Síria, não fica só na Síria. A Turquia tem muito
interesse em controlar o que acontecerá com seu território. Erdogan está
interessado em reassentar os 3,5 milhões de refugiados sírios que estão no seu
país. A crise dos refugiados sírios tem se tornado cada vez mais uma questão
doméstica na Turquia, onde — em meio a uma crise econômica — houve uma reação
contra os refugiados, que prejudicou Erdogan nas eleições locais e
parlamentares.
Além disso,
Erdogan espera que ao colocar os 3,5 milhões de refugiados no norte da Síria,
ele poderá conter e potencialmente remover a ameaça que ele percebe dos grupos
curdos no nordeste da Síria, que contam com o apoio americano.
Diferentemente
dos palestinos, os Curdos têm sua própria língua, cultura e história. Eles contam
com quase 50 milhões de pessoas nativos do Curdistão, um território integro que
ficou dividido em parte da Turquia, do Irã, do Iraque e da Síria como resultado
dos acordos de paz dos aliados depois da Primeira Guerra Mundial. Com a queda
de Assad, os Curdos querem reivindicar sua parte no território e declarar sua independência,
o que é totalmente inaceitável para Erdogan. Agora, o sucesso dos rebeldes dá a
Erdogan uma vitória e fortalece sua posição sobre o que irá acontecer na Síria
no futuro.
Com a Turquia
sendo o grande vencedor, vamos ver o grande perdedor: o Irã.
Teerã
investiu bilhões na Síria desde o início da guerra civil, vendo o país como
central para seus esforços de cercar Israel com um "anel de fogo" como
já falei.
O interesse
do Irã é claro: preservar a Síria como um canal de armas para a Hezbollah e
como uma plataforma da qual ele pode produzir armas para o grupo terrorista
libanês e reconstruir seu principal exército estrangeiro. Com a queda de Assad,
esse canal estará perdido. O Irã se gabava no passado de controlar 4 capitais
árabes: Beirute, Damasco, Bagdad e Sana’a. O Irã perdeu Beirute e Damasco e não
estamos vendo os aiatolás alocarem seu próprio exército, suas milicias iraquianas,
paquistanesas ou afegãs para lutar contra os rebeldes.
Com a queda
de Assad os mulás de Teerã perdem sua influência regional e esse trunfo.
Outro grande
perdedor neste domingo é a Rússia. Moscou interveio ativamente em 2015 na
guerra civil síria e, sua entrada definiu a guerra a favor de Assad. A
intervenção de Moscou decorreu de vários interesses que são tão importantes
para o Kremlin hoje quanto eram naquela época.
O primeiro é
que, por meio da Síria, a Rússia é capaz de projetar poder em todo o Oriente
Médio e combater a influência dos EUA na região. Segundo, Assad deu à Rússia o
estratégico porto mediterrâneo de Tartus, bem como a base aérea perto de
Latakia. Os acordos com Assad permitiriam que a Rússia operasse o porto e a
base aérea pelos próximos 50 anos, se não mais. Putin sabe do significado
estratégico destas bases para Moscou, o que explica por que, em meio à sua guerra
com a Ucrânia, na última semana, o exército russo realizou bombardeios contra
os rebeldes no norte da Síria, tentando, sem sucesso, deter seu avanço.
Moscou ainda tinha
interesse em mostrar que protegeria seus outros aliados – uma das razões pelas
quais a rápida derrota das forças de Assad nesta semana é um total constrangimento
para o Kremlin. A fuga de Assad destrói a posição do Kremlin e a percepção que
a Rússia quer projetar de que – diferentemente dos EUA – é uma superpotência na
qual seus aliados podem confiar para garantir que não caiam.
E Israel?
Israel é sem
dúvida, um ator nesse drama. E diferentemente dos outros que têm interesses
amplos, Israel tem interesses bem definidos na Síria. O primeiro e o principal
interesse é o de enfraquecer o eixo Irã-Síria-Hezbollah e impedir que o Irã use
a Síria, como fez no passado, para rearmar e reabilitar a Hezbollah.
Um regime
sírio enfraquecido com Assad, portanto, era do interesse de Israel. Mas aqui
está o problema: Israel gostaria de ver Assad enfraquecido, mas não muito, e
não derrubado.
Esse é o
paradoxo.
Por que isso?
Para que a Síria não consiga, por gerações, representar uma ameaça direta a
Israel. A longa guerra civil tirou a Síria do círculo de países que podiam
representar uma ameaça convencional. Notem que desde o 7 de outubro, Assad teve
muito cuidado em não abrir uma frente adicional contra Israel, para não dar a
ela nenhum pretexto para atacar o exército sírio.
No ano
passado, o exército de Israel alvejou uns 70 alvos na Síria, mas esses foram
principalmente ativos iranianos e da Hezbollah, não ativos pertencentes ao
exército sírio.
Quanto ao
motivo pelo qual Israel não gostaria de ver Assad derrubado, é porque isso pode
levar ao caos, algo raramente bom para Israel.
Embora Assad
não seja amigo, Israel pelo menos sabe o que esperar dele — o que ele pode e
não pode fazer, o que ele fará e o que não fará. Um novo governante em Damasco
da variedade jihadista sunita ou xiita seria imprevisível.
Ainda, Israel
não quer a Iugoslavização da Síria, isto é, a quebra do país sob a influência
de várias milicias ou grupos com agendas diversas, o que seria muito difícil de
prever e controlar.
De qualquer
forma, e por enquanto, se Israel vir o Irã tentando transferir armas para a
Hezbollah, ela irá agir. Israel já colocou tropas na fronteira síria e vejam a que
absurdo chegamos: vendo um ataque dos rebeldes às forças da ONU no sul da
Síria, o exército de Israel fez uma incursão para salvar as tropas da ONU.
Agora podemos esperar uma nova condenação da ONU por Israel ter adentrado o território
de outro país sem permissão.
Mas, tirando
disso, Israel irá deixar seus inimigos se resolverem entre si enquanto continua
a “monitorar a situação”.
Até agora, o
primeiro-ministro da Síria foi ao ar e declarou que irá passar o governo
pacificamente para quem o povo quiser. Tudo o que podemos fazer agora é rezar
para que a transição seja de fato tranquila.
Mas hoje, só
hoje, porque amanhã podemos ter algo totalmente inverso, mas hoje vamos comemorar
a felicidade do povo da Síria, a felicidade dos prisioneiros políticos já
libertados, que suportaram o pior e pagaram tão caro, pela queda deste regime que
ficará na história como um dos mais brutais e sangrentos da história.
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