Este ano não
tivemos cerimônias. Não em Jerusalem e não no Cairo. Nem qualquer evento
simbólico em Washington para marcar os 46 anos do acordo de paz entre Israel e
o Egito. Em vez de celebrações o que temos é tensão que vem crescendo desde maio
último quando Israel lançou a ofensiva no sul da Faixa de Gaza. Nesta ofensiva,
Israel tomou o corredor Filadelfia, que tinha se tornado uma galinha de ovos de
ouro para a família do presidente egípcio al-Sissi, que alegadamente cobrava e
continua a cobrar dezenas de milhares de dólares para um visto de saída de Gaza
e entrada no Egito e para de lá ir para outro país.
A paz entre
Israel e o Egito sempre foi fria. Enquanto os líderes políticos dos dois países
assinavam tratados, autoridades de segurança construíam uma estrutura de
cooperação contra ameaças mútuas, e israelenses viajavam aos milhares para o
Cairo, Alexandria e Luxor, a paz nunca chegou ao povo egípcio. E hoje, essa paz
parece mais uma relíquia.
As tensões
pioraram ainda mais quando o presidente americano Donald Trump anunciou que
iria relocar a população de Gaza para outros países gerando um protesto árabe
liderado pelo Egito. De repente, a Faixa de Gaza deixou de ser a prisão em céu
aberto e Israel sua carcereira para se tornar a terra palestina e que, por amor
a ela, os palestinos nunca deixariam.
Mas a
realidade não é bem assim. A mídia israelense relatou há alguns dias que, desde
que a guerra em Gaza começou, cerca de 35 mil pessoas deixaram a Faixa — não
forçadas, mas voluntariamente. O Ministro de Energia e Infraestrutura Eli Cohen
disse durante uma entrevista à Rádio do Exército que os números do governo
israelenses são mais próximos de 70 a 80 mil.
Na
quinta-feira, cerca de 200 moradores de Gaza teriam deixado Gaza para receber
cuidados médicos em outros países acompanhados de seus familiares; e na
quarta-feira, houve relatos de que, nos próximos dias, 100 moradores de Gaza
estariam se mudando para a Indonésia para trabalhar em construção.
Vale a pena ter tudo isso em mente ao considerar alguns
acontecimentos realmente espantosos em Gaza esta semana. Pela
primeira vez, manifestações
contra o Hamas eclodiram
na terça-feira e continuaram na quarta e quinta-feira. Não vamos
colocar o carro na frente dos bois e pensar que o Hamas está à beira do colapso. Mas
esses protestos — seu tamanho, o fato de terem ocorrido em vários locais na
Faixa de Gaza ao mesmo tempo e continuado por dois dias — representam algo novo e diferente,
algo nunca visto antes: os maiores protestos anti-Hamas já realizados em
Gaza.
Centenas e
centenas de manifestantes tomaram o que restou das ruas, exigindo a libertação
imediata dos reféns israelenses que ainda estavam vivos para pôr fim à guerra.
Esses manifestantes irritados e frustrados, gritando que já tinham tido o
suficiente, eram provavelmente os mesmos que apoiaram o Hamas, celebraram o
sucesso de seu massacre em 7 de outubro e talvez até entraram para ajudar o
grupo terrorista a saquear, a torturar, a estuprar e a matar israelenses.
Mas depois de
17 meses de guerra, a realidade desta loucura finalmente os alcançou. As
condições de vida intoleráveis, sem moradia, água, eletricidade, esgoto e
dependo da ajuda humanitária controlada pelo Hamas para comer, os manifestantes
não se contiveram, e mesmo correndo o risco de morte, saíram às ruas contra o
Hamas.
O fato de
eles estarem pedindo a soltura dos reféns para a guerra acabar, mostra o seu
desespero completo e absoluto que se transformou em raiva contra o Hamas — mesmo
um pouco tarde. Ou talvez, quem sabe, finalmente se deram conta quem são os verdadeiros
vilões que destruíram suas vidas.
Uma das razões
para estes protestos agora, tem a ver com o fim do cessar-fogo. Os moradores de
Gaza que retornaram ao que restou de suas casas quando o cessar-fogo entrou em
vigor em 19 de janeiro tiveram um choque — e agora que Israel recomeçou as
operações dentro de Gaza e a alertar as pessoas para deixarem suas casas
novamente, eles não querem reviver o que já passaram desde 7 de outubro.
Dalia Ziada,
uma autora egípcia disse que hoje a situação em Gaza é diferente por três
razões: “O Hamas está só e devastado; a mídia tendenciosa patrocinada pelo
Catar já perdeu a credibilidade e capacidade de manipular a verdade; o povo de
Gaza quebrou as barreiras do medo depois de não ter mais nada a perder.”
Ahmed Fouad
Alkhatib, um blogueiro palestino-americano de Gaza e membro sênior do Atlantic
Council, postou no X que "os protestos massivos anti-Hamas e anti-guerra
em Gaza não são organizados pela OLP, AP ou Fatah. Eles são expressões
orgânicas, populares e inteiramente autênticas de frustrações, raiva, fúria e
exaustão de um povo mantido refém pelo terrorismo e criminalidade implacáveis
do Hamas."
Até agora,
houve pouca reação internacional a esses protestos a nível de governos — tanto
ocidentais quanto árabes. Mas se eles continuarem a crescer, isso poderá gerar
pressão sobre o Hamas ou apoio a uma liderança alternativa em Gaza.
O silêncio
dos manifestantes pró-Palestina no exterior atingiu Alkhatib. Ele escreveu que
se deparou com um "protesto 'pró-Palestina' aparentemente organizado
espontaneamente" em Washington na quinta-feira. Similar ao que ocorreu em
São Paulo, na terça-feira.
Ele disse: "Eu
pensei, uau, talvez eles estejam aqui para apoiar as centenas de milhares de
moradores de Gaza que têm se manifestado contra o Hamas e exigido o fim do
governo do grupo terrorista. Em vez disso, esses manifestantes estavam
repetindo os mesmos velhos slogans cansados e não fizeram nenhuma menção ou
referência aos moradores de Gaza que estão colocando suas vidas em risco. A
surdez dos manifestantes era surpreendente, quase como se estivessem
deliberadamente tentando ofuscar o que estava acontecendo em Gaza."
Alkhatib
escreveu que, além de desafiar o Hamas, esses manifestantes de Gaza estavam
expondo a fraude do movimento tradicional de "solidariedade
pró-Palestina" no Ocidente, "um que só se importa com as vidas
palestinas quando se encaixa em uma agenda estritamente anti-Israel e aplica
indignação seletiva, mas nunca em relação a uma organização terrorista fascista
islâmica que destruiu o projeto nacional palestino e prejudicou o povo
palestino. Que vergonha para todos que ainda estão em silêncio!"
As vozes que
emergem dos protestos — onde os cartazes incluem “Fora, fora, fora! Hamas,
saia”, “Queremos viver” e “O sangue de nossos filhos não é barato” — confirmam
isso, apontando para uma disposição crescente entre os moradores de Gaza de
expressar descontentamento com o Hamas, apesar dos riscos. E a repressão não
tardou. Odai al-Rabei, de 22 anos, foi sequestrado, torturado e assassinado
pelo Hamas. Vídeos circularam mostrando imagens gráficas do corpo de al-Rabei,
que parecia ter sofrido tortura. Outros vídeos mostraram o cortejo fúnebre de
al-Rabei realizado em Gaza hoje, no qual milhares de participantes declararam
em fúria: “Em espírito e sangue nós o vingaremos, Odai!”, “Allahu Akbar,” assim
como “Fora, fora, fora! Hamas fora!” O fato de as pessoas ainda estarem indo às
ruas sugere que elas sentem que há pouco a perder.
Os protestos
em Gaza não significam que o Hamas está prestes a cair — assim como revoltas
semelhantes em outros lugares raramente levam a uma mudança de regime da noite
para o dia. Mas eles desafiam suposições de longa data sobre o povo de Gaza:
que eles nunca enfrentarão o Hamas e que eles não têm para onde ir.
Para Israel,
isso representa uma abertura estratégica e um desafio. Ela já está se moveu
para apoiar a realocação voluntária.
A missão
agora é não esmorecer e continuar as operações militares que trarão mais
pressão sobre o Hamas, tanto de Israel como internamente. Israel também precisa
estar pronta com planos e ideias construtivas para ajudar os moradores de Gaza
que quiserem sair, e a colocar uma nova ocupação da Faixa que se ocupe da
educação sem lições de ódio, da próxima geração, e que limpe qualquer traço da memória
do Hamas e dos outros grupos terroristas que são os verdadeiros inimigos do
povo árabe da região.