Sunday, March 30, 2025

Os Protestos em Gaza - 30/03/2025

 

Este ano não tivemos cerimônias. Não em Jerusalem e não no Cairo. Nem qualquer evento simbólico em Washington para marcar os 46 anos do acordo de paz entre Israel e o Egito. Em vez de celebrações o que temos é tensão que vem crescendo desde maio último quando Israel lançou a ofensiva no sul da Faixa de Gaza. Nesta ofensiva, Israel tomou o corredor Filadelfia, que tinha se tornado uma galinha de ovos de ouro para a família do presidente egípcio al-Sissi, que alegadamente cobrava e continua a cobrar dezenas de milhares de dólares para um visto de saída de Gaza e entrada no Egito e para de lá ir para outro país.

A paz entre Israel e o Egito sempre foi fria. Enquanto os líderes políticos dos dois países assinavam tratados, autoridades de segurança construíam uma estrutura de cooperação contra ameaças mútuas, e israelenses viajavam aos milhares para o Cairo, Alexandria e Luxor, a paz nunca chegou ao povo egípcio. E hoje, essa paz parece mais uma relíquia.

As tensões pioraram ainda mais quando o presidente americano Donald Trump anunciou que iria relocar a população de Gaza para outros países gerando um protesto árabe liderado pelo Egito. De repente, a Faixa de Gaza deixou de ser a prisão em céu aberto e Israel sua carcereira para se tornar a terra palestina e que, por amor a ela, os palestinos nunca deixariam.

Mas a realidade não é bem assim. A mídia israelense relatou há alguns dias que, desde que a guerra em Gaza começou, cerca de 35 mil pessoas deixaram a Faixa — não forçadas, mas voluntariamente. O Ministro de Energia e Infraestrutura Eli Cohen disse durante uma entrevista à Rádio do Exército que os números do governo israelenses são mais próximos de 70 a 80 mil.

Na quinta-feira, cerca de 200 moradores de Gaza teriam deixado Gaza para receber cuidados médicos em outros países acompanhados de seus familiares; e na quarta-feira, houve relatos de que, nos próximos dias, 100 moradores de Gaza estariam se mudando para a Indonésia para trabalhar em construção.

Vale a pena ter tudo isso em mente ao considerar alguns acontecimentos realmente espantosos em Gaza esta semana. Pela primeira vez, manifestações contra o Hamas eclodiram na terça-feira e continuaram na quarta e quinta-feira. Não vamos colocar o carro na frente dos bois e pensar que o Hamas está à beira do colapso. Mas esses protestos — seu tamanho, o fato de terem ocorrido em vários locais na Faixa de Gaza ao mesmo tempo e continuado por dois dias — representam algo novo e diferente, algo nunca visto antes: os maiores protestos anti-Hamas já realizados em Gaza.

Centenas e centenas de manifestantes tomaram o que restou das ruas, exigindo a libertação imediata dos reféns israelenses que ainda estavam vivos para pôr fim à guerra. Esses manifestantes irritados e frustrados, gritando que já tinham tido o suficiente, eram provavelmente os mesmos que apoiaram o Hamas, celebraram o sucesso de seu massacre em 7 de outubro e talvez até entraram para ajudar o grupo terrorista a saquear, a torturar, a estuprar e a matar israelenses.

Mas depois de 17 meses de guerra, a realidade desta loucura finalmente os alcançou. As condições de vida intoleráveis, sem moradia, água, eletricidade, esgoto e dependo da ajuda humanitária controlada pelo Hamas para comer, os manifestantes não se contiveram, e mesmo correndo o risco de morte, saíram às ruas contra o Hamas.

O fato de eles estarem pedindo a soltura dos reféns para a guerra acabar, mostra o seu desespero completo e absoluto que se transformou em raiva contra o Hamas — mesmo um pouco tarde. Ou talvez, quem sabe, finalmente se deram conta quem são os verdadeiros vilões que destruíram suas vidas.

Uma das razões para estes protestos agora, tem a ver com o fim do cessar-fogo. Os moradores de Gaza que retornaram ao que restou de suas casas quando o cessar-fogo entrou em vigor em 19 de janeiro tiveram um choque — e agora que Israel recomeçou as operações dentro de Gaza e a alertar as pessoas para deixarem suas casas novamente, eles não querem reviver o que já passaram desde 7 de outubro.

Dalia Ziada, uma autora egípcia disse que hoje a situação em Gaza é diferente por três razões: “O Hamas está só e devastado; a mídia tendenciosa patrocinada pelo Catar já perdeu a credibilidade e capacidade de manipular a verdade; o povo de Gaza quebrou as barreiras do medo depois de não ter mais nada a perder.”

Ahmed Fouad Alkhatib, um blogueiro palestino-americano de Gaza e membro sênior do Atlantic Council, postou no X que "os protestos massivos anti-Hamas e anti-guerra em Gaza não são organizados pela OLP, AP ou Fatah. Eles são expressões orgânicas, populares e inteiramente autênticas de frustrações, raiva, fúria e exaustão de um povo mantido refém pelo terrorismo e criminalidade implacáveis ​​do Hamas."

Até agora, houve pouca reação internacional a esses protestos a nível de governos — tanto ocidentais quanto árabes. Mas se eles continuarem a crescer, isso poderá gerar pressão sobre o Hamas ou apoio a uma liderança alternativa em Gaza.

O silêncio dos manifestantes pró-Palestina no exterior atingiu Alkhatib. Ele escreveu que se deparou com um "protesto 'pró-Palestina' aparentemente organizado espontaneamente" em Washington na quinta-feira. Similar ao que ocorreu em São Paulo, na terça-feira.

Ele disse: "Eu pensei, uau, talvez eles estejam aqui para apoiar as centenas de milhares de moradores de Gaza que têm se manifestado contra o Hamas e exigido o fim do governo do grupo terrorista. Em vez disso, esses manifestantes estavam repetindo os mesmos velhos slogans cansados ​​e não fizeram nenhuma menção ou referência aos moradores de Gaza que estão colocando suas vidas em risco. A surdez dos manifestantes era surpreendente, quase como se estivessem deliberadamente tentando ofuscar o que estava acontecendo em Gaza."

Alkhatib escreveu que, além de desafiar o Hamas, esses manifestantes de Gaza estavam expondo a fraude do movimento tradicional de "solidariedade pró-Palestina" no Ocidente, "um que só se importa com as vidas palestinas quando se encaixa em uma agenda estritamente anti-Israel e aplica indignação seletiva, mas nunca em relação a uma organização terrorista fascista islâmica que destruiu o projeto nacional palestino e prejudicou o povo palestino. Que vergonha para todos que ainda estão em silêncio!"

As vozes que emergem dos protestos — onde os cartazes incluem “Fora, fora, fora! Hamas, saia”, “Queremos viver” e “O sangue de nossos filhos não é barato” — confirmam isso, apontando para uma disposição crescente entre os moradores de Gaza de expressar descontentamento com o Hamas, apesar dos riscos. E a repressão não tardou. Odai al-Rabei, de 22 anos, foi sequestrado, torturado e assassinado pelo Hamas. Vídeos circularam mostrando imagens gráficas do corpo de al-Rabei, que parecia ter sofrido tortura. Outros vídeos mostraram o cortejo fúnebre de al-Rabei realizado em Gaza hoje, no qual milhares de participantes declararam em fúria: “Em espírito e sangue nós o vingaremos, Odai!”, “Allahu Akbar,” assim como “Fora, fora, fora! Hamas fora!” O fato de as pessoas ainda estarem indo às ruas sugere que elas sentem que há pouco a perder.

Os protestos em Gaza não significam que o Hamas está prestes a cair — assim como revoltas semelhantes em outros lugares raramente levam a uma mudança de regime da noite para o dia. Mas eles desafiam suposições de longa data sobre o povo de Gaza: que eles nunca enfrentarão o Hamas e que eles não têm para onde ir.

Para Israel, isso representa uma abertura estratégica e um desafio. Ela já está se moveu para apoiar a realocação voluntária.

A missão agora é não esmorecer e continuar as operações militares que trarão mais pressão sobre o Hamas, tanto de Israel como internamente. Israel também precisa estar pronta com planos e ideias construtivas para ajudar os moradores de Gaza que quiserem sair, e a colocar uma nova ocupação da Faixa que se ocupe da educação sem lições de ódio, da próxima geração, e que limpe qualquer traço da memória do Hamas e dos outros grupos terroristas que são os verdadeiros inimigos do povo árabe da região.

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