Sunday, January 10, 2016

Um Ano Após Charlie Hebdo - 10/1/2016

Nesta semana aconteceram vários eventos que poderíamos discutir aqui. O fato da Coréia do Norte ter supostamente explodido a primeira bomba de hidrogênio e seu relacionamento com o Irã. Ou os migrantes muçulmanos que estão causando uma onda de estupros da Alemanha que fez Angela Merkel rever sua política de absorção de refugiados. Ou a continuidade dos ataques terroristas em Israel e o fato da Autoridade Palestina ter se juntado ao Hamas para declarar o perpetrador do ataque em Tel Aviv, um reverenciado mártir.

Mas esta semana também marcou um ano dos ataques na França, ao jornal Charlie Hebdo e ao Supermercado Hyper-Kasher. E um ano depois da liberdade de expressão ser apunhalada, outro terrorista tentou marcar o dia tentando esfaquear policiais no norte de Paris. Isto enquanto o presidente francês François Hollande lembrava as vítimas e os heróis do ano anterior do outro lado da cidade.

Os milhões que convergiram para a Place de la Republique naquele dia e o resto do mundo que declarou “Je suis Charlie” não evitou este e os ataques que a França sofreu em Novembro. De um ano para cá, temos não só um aumento na violência, mas a palpável supressão da expressão e do humor, da sátira e da crítica quando se trata de muçulmanos ou do islamismo.

Eu pessoalmente nunca fui muito fã do Charlie Hebdo. Não acho graça na maioria de seus cartoons e alguns são simplesmente de mau gosto. Mas eu como o resto no ocidente, tenho a liberdade de lê-los ou não, de compra-lo ou não. É esta liberdade que os terroristas quiseram revogar em Janeiro de 2015.

Não podemos construir um futuro melhor sem entendermos os erros do passado. E assim, hoje quero falar sobre o que levou à este barbarismo e à hipocrisia que se seguiu.

Foram muitos séculos, muitas batalhas, muito sangue derramado para livrar a Europa da ditadura da religião e tornar seus países em democracias seculares aonde há separação entre o Estado e a Igreja. O direito de falar de modo pejorativo sobre Deus ou de coisa sagrada, isto é, de proferir uma blasfêmia, é a pedra fundamental desta separação. Ela protege ambos ateus e crentes. No entanto, hoje ela é ameaçada por fanáticos imbecis que são capazes de matar alguém por causa de uma caricatura zombando sua falta de humor.
Suas balas e seus cúmplices estão tentando fazer voltar o relógio do tempo e eliminar as conquistas de liberdade alcançadas, com desculpas esfarrapadas de se sentirem “ofendidos”. O direito de expressão também inclui o direito de ofender, desde que não seja uma incitação à violência.

Levou-se muitos anos de luta e caricaturas extremamente ofensivas contra padres, o papa e até Jesus para que a sociedade negociasse um compromisso com a Igreja, que na França, se tornou lei há 110 anos. A marcha de Paris, do 11 de janeiro 2015, foi o grito do povo francês de sua recusa de voltar atrás.

Infelizmente o grito calou. Os terroristas estão vencendo porque em vez de ficarmos firmes em nossas convicções e não nos deixarmos intimidar, muitos na mídia resolveram tomar o caminho fácil da auto-censura. Ninguém tem qualquer problema quando se publicam caricaturas de judeus “dominando a Europa” ou “bebendo o sangue dos palestinos como vampiros”. Ou quando caricaturistas europeus participam de competições para zombar do Holocausto. Sim, apesar de nauseante, isto é o direito de livre expressão a ser defendido. Exceto e contanto que não façam caricaturas do Profeta do islamismo.

O que estes fanáticos querem e a mídia está pronta a entregar, é um mundo aonde é permitido zombar de fanáticos, exceto fanáticos muçulmanos, e aonde o antissemitismo seja algo completamente aceitável!

Isto é o mesmo que dizer que o melhor remédio contra os fanáticos é o retorno aos taboos e às leis anti-blasfêmia. O retorno à inquisição. Vimos este jornalismo irresponsável em todos os lugares e quando os corpos de Cabu e Tignous e Wolin ainda estavam mornos. A CNN, a BBC, a MSNBC escureceram as imagens das caricaturas criadas por eles, e até a capa da edição de retorno às bancas do Charlie Hebdo que tinha o desenho de Maomé dizendo que tudo estava perdoado. Num ataque subsequente no Texas à uma competição de caricaturas do profeta, as redes de televisão também escolheram obscurecer as imagens, para não serem “ofensivos”.

Os próprios muçulmanos discordam sobre poderem ou não retratar seu profeta. Os sunitas wahabistas são absolutamente contra qualquer representação, pois de acordo com eles, isso pode levar à idolatria. No Irã, xiita, em contrapartida, desenhos do profeta são comuns. Aqui em NY, a ala de arte islâmica do Metropolitan Museum tem vários retratos antigos e um em particular, do profeta ascendendo aos céus, sem controvérsia.

E aí vem a hipocrisia.

Na marcha do dia 11 de janeiro do ano passado todos estavam alí. Líderes e chefes de governo do mundo, todos os que haviam sido caricaturados pelo Charlie Hebdo, supostamente para apoiar a França e seus valores.

40 chefes de estado, incluindo vários que hipocritamente mais restringem a liberdade de expressão e imprensa do que a defendem. O Ministro do Exterior da Rússia, que mandou a banda Pussy Riot para um campo de internamento por “blasfêmia contra Putin numa catedral”. O Primeiro Ministro da Turquia, que processou um cartunista por ter ofendido seu presidente muçulmano. Os Emirados Árabes vieram com toda a força. Qatar enviou o irmão do Emir. A Arábia Saudita, seu ministro do exterior. Imaginem!!!! a Arábia Saudita que naquele mesmo mês, continuava a açoitar o blogueiro Raif Badawi, sentenciado a mil chibatadas por “ridicularizar” o islamismo. Badawi foi denunciado como um apóstata por ter escrito que “muçulmanos, cristãos, judeus e ateus são todos iguais”.

Nestes lugares um jornal satírico como Charlie Hebdo não teria durado um dia. Mas todos estes tiranos fingidos foram aplaudidos nas ruas de Paris.

Estes fanáticos não podem nos matar a todos. E ao nos mantermos firmes e recusarmos sermos intimidados, talvez eles se deem conta de sua futilidade.

E sejamos francos. Quem hoje em dia, irá praticar idolatria frente a uma caricatura qualquer, seja ela de um profeta ou de um Maomé taxista? A quem querem convencer com este argumento absurdo?

Estes terroristas conseguiram em poucos anos virar o mundo de cabeça para baixo. Cabe a nós vira-lo de cabeça para cima, mesmo com balas chovendo em volta. Não temos outra alternativa. Serão nossas palavras, nossa arte, nossas caricaturas contra a perfídia. Temos que ter orgulho de nossas conquistas de liberdade e aonde o dialogo existe apesar das divergências, aonde crentes e ateus são iguais, aonde todas as religiões são consideradas iguais, aonde podemos rir de nossos temores e ridicularizar a nós mesmos sem medo. É isso que nos mantêm criativos e inovadores. Nossa lucidez e nossa luz serão nossas armas contra esta escuridão e atraso. E somente com coragem iremos vencer estes bárbaros medievais.



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