Nesta semana aconteceram
vários eventos que poderíamos discutir aqui. O fato da Coréia do Norte ter supostamente
explodido a primeira bomba de hidrogênio e seu relacionamento com o Irã. Ou os
migrantes muçulmanos que estão causando uma onda de estupros da Alemanha que
fez Angela Merkel rever sua política de absorção de refugiados. Ou a
continuidade dos ataques terroristas em Israel e o fato da Autoridade Palestina
ter se juntado ao Hamas para declarar o perpetrador do ataque em Tel Aviv, um
reverenciado mártir.
Mas esta semana também marcou
um ano dos ataques na França, ao jornal Charlie Hebdo e ao Supermercado Hyper-Kasher.
E um ano depois da liberdade de expressão ser apunhalada, outro terrorista
tentou marcar o dia tentando esfaquear policiais no norte de Paris. Isto
enquanto o presidente francês François Hollande lembrava as vítimas e os heróis
do ano anterior do outro lado da cidade.
Os milhões que convergiram
para a Place de la Republique naquele dia e o resto do mundo que declarou “Je
suis Charlie” não evitou este e os ataques que a França sofreu em Novembro. De
um ano para cá, temos não só um aumento na violência, mas a palpável supressão
da expressão e do humor, da sátira e da crítica quando se trata de muçulmanos
ou do islamismo.
Eu pessoalmente nunca fui
muito fã do Charlie Hebdo. Não acho graça na maioria de seus cartoons e alguns são
simplesmente de mau gosto. Mas eu como o resto no ocidente, tenho a liberdade
de lê-los ou não, de compra-lo ou não. É esta liberdade que os terroristas
quiseram revogar em Janeiro de 2015.
Não podemos construir um
futuro melhor sem entendermos os erros do passado. E assim, hoje quero falar
sobre o que levou à este barbarismo e à hipocrisia que se seguiu.
Foram muitos séculos, muitas
batalhas, muito sangue derramado para livrar a Europa da ditadura da religião e
tornar seus países em democracias seculares aonde há separação entre o Estado e
a Igreja. O direito de falar de modo pejorativo sobre Deus ou de coisa sagrada,
isto é, de proferir uma blasfêmia, é a pedra fundamental desta separação. Ela
protege ambos ateus e crentes. No entanto, hoje ela é ameaçada por fanáticos
imbecis que são capazes de matar alguém por causa de uma caricatura zombando
sua falta de humor.
Suas balas e seus cúmplices
estão tentando fazer voltar o relógio do tempo e eliminar as conquistas de
liberdade alcançadas, com desculpas esfarrapadas de se sentirem “ofendidos”. O
direito de expressão também inclui o direito de ofender, desde que não seja uma
incitação à violência.
Levou-se muitos anos de luta e
caricaturas extremamente ofensivas contra padres, o papa e até Jesus para que a
sociedade negociasse um compromisso com a Igreja, que na França, se tornou lei há
110 anos. A marcha de Paris, do 11 de janeiro 2015, foi o grito do povo francês
de sua recusa de voltar atrás.
Infelizmente o grito calou. Os
terroristas estão vencendo porque em vez de ficarmos firmes em nossas convicções
e não nos deixarmos intimidar, muitos na mídia resolveram tomar o caminho fácil
da auto-censura. Ninguém tem qualquer problema quando se publicam caricaturas
de judeus “dominando a Europa” ou “bebendo o sangue dos palestinos como
vampiros”. Ou quando caricaturistas europeus participam de competições para
zombar do Holocausto. Sim, apesar de nauseante, isto é o direito de livre expressão
a ser defendido. Exceto e contanto que não façam caricaturas do Profeta do
islamismo.
O que estes fanáticos querem e
a mídia está pronta a entregar, é um mundo aonde é permitido zombar de
fanáticos, exceto fanáticos muçulmanos, e aonde o antissemitismo seja algo
completamente aceitável!
Isto é o mesmo que dizer que o
melhor remédio contra os fanáticos é o retorno aos taboos e às leis
anti-blasfêmia. O retorno à inquisição. Vimos este jornalismo irresponsável em
todos os lugares e quando os corpos de Cabu e Tignous e Wolin ainda estavam
mornos. A CNN, a BBC, a MSNBC escureceram as imagens das caricaturas criadas
por eles, e até a capa da edição de retorno às bancas do Charlie Hebdo que
tinha o desenho de Maomé dizendo que tudo estava perdoado. Num ataque
subsequente no Texas à uma competição de caricaturas do profeta, as redes de
televisão também escolheram obscurecer as imagens, para não serem “ofensivos”.
Os próprios muçulmanos
discordam sobre poderem ou não retratar seu profeta. Os sunitas wahabistas são
absolutamente contra qualquer representação, pois de acordo com eles, isso pode
levar à idolatria. No Irã, xiita, em contrapartida, desenhos do profeta são
comuns. Aqui em NY, a ala de arte islâmica do Metropolitan Museum tem vários
retratos antigos e um em particular, do profeta ascendendo aos céus, sem
controvérsia.
E aí vem a hipocrisia.
Na marcha do dia 11 de janeiro
do ano passado todos estavam alí. Líderes e chefes de governo do mundo, todos os
que haviam sido caricaturados pelo Charlie Hebdo, supostamente para apoiar a
França e seus valores.
40 chefes de estado, incluindo
vários que hipocritamente mais restringem a liberdade de expressão e imprensa
do que a defendem. O Ministro do Exterior da Rússia, que mandou a banda Pussy
Riot para um campo de internamento por “blasfêmia contra Putin numa
catedral”. O Primeiro Ministro da Turquia, que processou um cartunista por ter
ofendido seu presidente muçulmano. Os Emirados Árabes vieram com toda a força.
Qatar enviou o irmão do Emir. A Arábia Saudita, seu ministro do exterior.
Imaginem!!!! a Arábia Saudita que naquele mesmo mês, continuava a açoitar o
blogueiro Raif Badawi, sentenciado a mil chibatadas por “ridicularizar” o
islamismo. Badawi foi denunciado como um apóstata por ter escrito que
“muçulmanos, cristãos, judeus e ateus são todos iguais”.
Nestes lugares um jornal
satírico como Charlie Hebdo não teria durado um dia. Mas todos estes tiranos fingidos
foram aplaudidos nas ruas de Paris.
Estes fanáticos não podem nos
matar a todos. E ao nos mantermos firmes e recusarmos sermos intimidados,
talvez eles se deem conta de sua futilidade.
E sejamos francos. Quem hoje
em dia, irá praticar idolatria frente a uma caricatura qualquer, seja ela de um
profeta ou de um Maomé taxista? A quem querem convencer com este argumento
absurdo?
Estes terroristas conseguiram
em poucos anos virar o mundo de cabeça para baixo. Cabe a nós vira-lo de cabeça
para cima, mesmo com balas chovendo em volta. Não temos outra alternativa. Serão
nossas palavras, nossa arte, nossas caricaturas contra a perfídia. Temos que
ter orgulho de nossas conquistas de liberdade e aonde o dialogo existe apesar
das divergências, aonde crentes e ateus são iguais, aonde todas as religiões
são consideradas iguais, aonde podemos rir de nossos temores e ridicularizar a
nós mesmos sem medo. É isso que nos mantêm criativos e inovadores. Nossa
lucidez e nossa luz serão nossas armas contra esta escuridão e atraso. E somente
com coragem iremos vencer estes bárbaros medievais.
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