Sunday, May 1, 2022

O Futuro Museu de Kyiv - 01/05/2022

 

Tantas imagens trágicas invadiram nossas tvs nas últimas semanas, especialmente as vindas da Ucrânia. E é irônico que abril tenha sido escolhido o Mês da Conscientização e Prevenção de Genocídio.

Este é o mês quando Israel marca o Yom Hashoah, o Dia da Memória do Holocausto com o fez na semana que passou. Mas o dia 24 de abril também marca o Dia da Memória do Genocídio Armênio. E foi no dia 19 de abril de 1975, que começou o genocídio no Camboja e, em 7 de abril de 1994, começou também o genocídio contra os tutsis em Ruanda.

E a cada evento, mais monumentos são erigidos para relembrar o passado e novamente jurar o “nunca mais”. O problema é que, além de construirmos as paredes dos museus e memoriais, não estamos fazendo o suficiente para garantir este “nunca mais” e as estatísticas vindas da Europa e Estados Unidos provam isso.

Dois terços dos millennials e metade dos ingleses não sabem que seis milhões de judeus morreram no Holocausto. 20% dos europeus pesquisados ​​acham que os judeus exploram o Holocausto para o seu benefício. No caso do Genocídio Armênio, os próprios perpetradores, os turcos, ainda não assumiram a responsabilidade depois de 107 anos.

Hoje, depois do massacre de Bucha ninguém pode ser mais tão ingênuo a acreditar no “nunca mais”. Bucha fica a apenas 20km de Babi Yar, aonde 33 mil judeus foram executados em setembro de 1941. Sugiro mudar o slogan do “nunca mais” para “uma vez mais”.

Ensinar a história, o que ocorreu com os sistemas totalitários é o primeiro passo para evitar que um declínio político descambe para um regime totalitário. A falta desse ensinamento é perigosa. A memória das dezenas de milhões de russos mortos de fome e executados e os enviados a gulags desde a revolução bolchevique até Stalin, foi sistematicamente substituída pela memória da vitória soviética sobre o nazismo – e isso levou à uma renovada legitimidade do imperialismo russo através do nacionalismo.

Este imperialismo foi destorcido por Putin, que governa através da corrupção e do silenciamento das vozes da oposição e da mídia. A Rússia provou novamente ser um império baseado em mentiras. Todo genocídio começa com palavras e Putin desenvolveu um discurso verdadeiramente orwelliano em que a guerra é uma operação especial orientada para a paz, a liberdade é ser escravizado nos campos de filtragem russos e a ignorância é força. Sim, nossa ignorância é a força de Putin.

A incapacidade moral da Europa de hoje de enfrentar as tiranias, seja a Rússia, o Irã, a China, vem deste progressismo da esquerda que tende a ver tudo que é americano como imperialista e colonialista e estes tiranos como vítimas. E é por isso que não deram ouvidos quando Donald Trump disse ser um absurdo a Europa estar se deixando dominar pela Rússia em energia. E esta semana, Putin cortou o fornecimento de gás para a Polonia e para a Bulgária.

E não é só na Europa. Aqui mesmo nos Estados Unidos, há vozes unidas na crítica contra o papel da América e seus aliados no mundo. Estas vozes desculpam a invasão da Ucrânia pela Rússia, desculpam o Irã e fazem parecer que os EUA e Israel são o problema.

Ontem, elas culpavam a América pela instabilidade no Oriente Médio justificando o regime do Irã. Essas vozes também defendiam a ideia de que um Irã nuclear traria “estabilidade” ao Oriente Médio. De acordo com elas, regimes autoritários geralmente são bons desde que se oponham aos EUA. O Irã é uma fonte de estabilidade. A Ucrânia e Israel são estados problemáticos.

O que pode explicar isso?

A Ucrânia e Israel são vistos como exemplos de estados pró-americanos e pró-ocidentais que estão de alguma forma “fora de lugar”. O que isso significa é que a Rússia tem preocupações legítimas sobre a Ucrânia, que a vê como um braço da América em sua fronteira.  E isso é inaceitável para a Rússia.

Na prática isso quer dizer que a Ucrânia não tem o direito de decidir seu futuro; apenas as “grandes potências” ou as “potências regionais” podem decidir. Agir de outro modo é uma “provocação” que justifica a invasão e o extermínio de sua população.

Da mesma forma, quando Israel foi criada, houve discussões entre vozes “realistas” e “pragmáticas” nos EUA e no Ocidente que afirmavam que era melhor trabalhar com regimes árabes totalitários e não sacrificar sua influência apoiando Israel.

Esses regimes tinham preocupações legítimas de que Israel pudesse “desestabilizar” a região, ou que sua democracia pudesse de alguma forma “ameaçar” os estados árabes autoritários. Na raiz dessa crítica está a ideia de que as áreas ao redor da Ucrânia “pertencem” à Rússia, e que as áreas ao redor de Israel “pertencem” a países como o Irã.

A Ucrânia e Israel perturbam a “ordem” dessas regiões. Se não fosse a Ucrânia e Israel estarem “no caminho”, os EUA poderiam se dar bem com a Rússia e o Irã. A “ordem mundial” poderia funcionar porque o Irã ficaria com o Oriente Médio, a Rússia com partes da Europa Oriental e tudo ficaria bem. Esta é a razão pela qual os curdos não têm direito a um estado, os armênios foram sacrificados e outros grupos minoritários e democracias incipientes esmagados; eles estavam “no caminho”.

Por esta lógica, o Irã tem reivindicações legítimas sobre o Iraque, Líbano, Síria e Iêmen. Esses países têm que ser entregues ao Irã para que todos possam se dar bem. Apenas pessoas “emocionais” defendem o direito dos curdos do Iraque a um estado independente. Putin tem suas razões. Os aiatolás têm seus “interesses”. Uma vez que eles sejam apaziguados, haverá estabilidade.

Mas como vimos com Hitler, a coisa não é simples assim e a sede de poder e de conquista de mais e mais territórios não se estanca com um gole. E os aiatolás do Irã têm uma agenda de converter o mundo inteiro ao islamismo xiita, inclusive a Arabia Saudita e os países sunitas do Golfo Persico, portanto o Iraque, Líbano, Síria e Iêmen são só o começo. A Rússia e a China assinaram este ano um pacto de uma nova ordem mundial pelo qual somente eles mandam e adeus às democracias. E assim, os genocídios continuam.

É uma vergonha que com todos os avanços científicos, toda a tecnologia, ainda não somos capazes de prevenir estes genocídios. Ficamos atordoados, mas ainda calados quando confrontados com as imagens de destruição e morte. E nos voltamos para construir mais museus.

Isso não é mais aceitável. O que precisamos é construir uma narrativa para resistir a violência da Rússia e a indiferença do mundo. Um dia vamos nos perguntar por que tantos morreram, porque tanta miséria, e porque não fizemos nada. Mas isso só acontecerá em algum dia no futuro, quando estaremos vendo as imagens das atrocidades numa exposição com legendas, em um museu super moderno em Kyiv da guerra russa contra a Ucrânia de 2014-2022.

No futuro. Mas hoje, agora, devemos fazer o que pudermos. Devemos levantar nossas vozes e agir de acordo com nossas possibilidades para que o futuro museu de Kiev tenha um conteúdo menos cruel, números menores de vítimas e seu término seja realmente 2022.

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