Tantas imagens
trágicas invadiram nossas tvs nas últimas semanas, especialmente as vindas da
Ucrânia. E é irônico que abril tenha sido escolhido o Mês da Conscientização e
Prevenção de Genocídio.
Este é o mês
quando Israel marca o Yom Hashoah, o Dia da Memória do Holocausto com o fez na
semana que passou. Mas o dia 24 de abril também marca o Dia da Memória do Genocídio
Armênio. E foi no dia 19 de abril de 1975, que começou o genocídio no Camboja
e, em 7 de abril de 1994, começou também o genocídio contra os tutsis em Ruanda.
E a cada evento,
mais monumentos são erigidos para relembrar o passado e novamente jurar o “nunca
mais”. O problema é que, além de construirmos as paredes dos museus e
memoriais, não estamos fazendo o suficiente para garantir este “nunca mais” e
as estatísticas vindas da Europa e Estados Unidos provam isso.
Dois terços
dos millennials e metade dos ingleses não sabem que seis milhões de judeus
morreram no Holocausto. 20% dos europeus pesquisados acham que os judeus
exploram o Holocausto para o seu benefício. No caso do Genocídio Armênio, os
próprios perpetradores, os turcos, ainda não assumiram a responsabilidade
depois de 107 anos.
Hoje, depois
do massacre de Bucha ninguém pode ser mais tão ingênuo a acreditar no “nunca mais”.
Bucha fica a apenas 20km de Babi Yar, aonde 33 mil judeus foram executados em
setembro de 1941. Sugiro mudar o slogan do “nunca mais” para “uma vez mais”.
Ensinar a
história, o que ocorreu com os sistemas totalitários é o primeiro passo para
evitar que um declínio político descambe para um regime totalitário. A falta
desse ensinamento é perigosa. A memória das dezenas de milhões de russos mortos
de fome e executados e os enviados a gulags desde a revolução bolchevique até
Stalin, foi sistematicamente substituída pela memória da vitória soviética
sobre o nazismo – e isso levou à uma renovada legitimidade do imperialismo
russo através do nacionalismo.
Este
imperialismo foi destorcido por Putin, que governa através da corrupção e do
silenciamento das vozes da oposição e da mídia. A Rússia provou novamente ser um
império baseado em mentiras. Todo genocídio começa com palavras e Putin
desenvolveu um discurso verdadeiramente orwelliano em que a guerra é uma
operação especial orientada para a paz, a liberdade é ser escravizado nos
campos de filtragem russos e a ignorância é força. Sim, nossa ignorância é a força
de Putin.
A
incapacidade moral da Europa de hoje de enfrentar as tiranias, seja a Rússia, o
Irã, a China, vem deste progressismo da esquerda que tende a ver tudo que é
americano como imperialista e colonialista e estes tiranos como vítimas. E é
por isso que não deram ouvidos quando Donald Trump disse ser um absurdo a
Europa estar se deixando dominar pela Rússia em energia. E esta semana, Putin
cortou o fornecimento de gás para a Polonia e para a Bulgária.
E não é só na
Europa. Aqui mesmo nos Estados Unidos, há vozes unidas na crítica contra o
papel da América e seus aliados no mundo. Estas vozes desculpam a invasão da
Ucrânia pela Rússia, desculpam o Irã e fazem parecer que os EUA e Israel são o
problema.
Ontem, elas
culpavam a América pela instabilidade no Oriente Médio justificando o regime do
Irã. Essas vozes também defendiam a ideia de que um Irã nuclear traria
“estabilidade” ao Oriente Médio. De acordo com elas, regimes autoritários
geralmente são bons desde que se oponham aos EUA. O Irã é uma fonte de
estabilidade. A Ucrânia e Israel são estados problemáticos.
O que pode
explicar isso?
A Ucrânia e
Israel são vistos como exemplos de estados pró-americanos e pró-ocidentais que
estão de alguma forma “fora de lugar”. O que isso significa é que a Rússia tem
preocupações legítimas sobre a Ucrânia, que a vê como um braço da América em
sua fronteira. E isso é inaceitável para
a Rússia.
Na prática isso
quer dizer que a Ucrânia não tem o direito de decidir seu futuro; apenas as
“grandes potências” ou as “potências regionais” podem decidir. Agir de outro
modo é uma “provocação” que justifica a invasão e o extermínio de sua população.
Da mesma
forma, quando Israel foi criada, houve discussões entre vozes “realistas” e
“pragmáticas” nos EUA e no Ocidente que afirmavam que era melhor trabalhar com
regimes árabes totalitários e não sacrificar sua influência apoiando Israel.
Esses regimes
tinham preocupações legítimas de que Israel pudesse “desestabilizar” a região,
ou que sua democracia pudesse de alguma forma “ameaçar” os estados árabes autoritários.
Na raiz dessa crítica está a ideia de que as áreas ao redor da Ucrânia
“pertencem” à Rússia, e que as áreas ao redor de Israel “pertencem” a países
como o Irã.
A Ucrânia e Israel
perturbam a “ordem” dessas regiões. Se não fosse a Ucrânia e Israel estarem “no
caminho”, os EUA poderiam se dar bem com a Rússia e o Irã. A “ordem mundial”
poderia funcionar porque o Irã ficaria com o Oriente Médio, a Rússia com partes
da Europa Oriental e tudo ficaria bem. Esta é a razão pela qual os curdos não
têm direito a um estado, os armênios foram sacrificados e outros grupos
minoritários e democracias incipientes esmagados; eles estavam “no caminho”.
Por esta
lógica, o Irã tem reivindicações legítimas sobre o Iraque, Líbano, Síria e
Iêmen. Esses países têm que ser entregues ao Irã para que todos possam se dar
bem. Apenas pessoas “emocionais” defendem o direito dos curdos do Iraque a um
estado independente. Putin tem suas razões. Os aiatolás têm seus “interesses”.
Uma vez que eles sejam apaziguados, haverá estabilidade.
Mas como
vimos com Hitler, a coisa não é simples assim e a sede de poder e de conquista
de mais e mais territórios não se estanca com um gole. E os aiatolás do Irã têm
uma agenda de converter o mundo inteiro ao islamismo xiita, inclusive a Arabia
Saudita e os países sunitas do Golfo Persico, portanto o Iraque, Líbano, Síria
e Iêmen são só o começo. A Rússia e a China assinaram este ano um pacto de uma
nova ordem mundial pelo qual somente eles mandam e adeus às democracias. E
assim, os genocídios continuam.
É uma
vergonha que com todos os avanços científicos, toda a tecnologia, ainda não
somos capazes de prevenir estes genocídios. Ficamos atordoados, mas ainda calados
quando confrontados com as imagens de destruição e morte. E nos voltamos para
construir mais museus.
Isso não é
mais aceitável. O que precisamos é construir uma narrativa para resistir a
violência da Rússia e a indiferença do mundo. Um dia vamos nos perguntar por
que tantos morreram, porque tanta miséria, e porque não fizemos nada. Mas isso
só acontecerá em algum dia no futuro, quando estaremos vendo as imagens das
atrocidades numa exposição com legendas, em um museu super moderno em Kyiv da
guerra russa contra a Ucrânia de 2014-2022.
No futuro. Mas
hoje, agora, devemos fazer o que pudermos. Devemos levantar nossas vozes e agir
de acordo com nossas possibilidades para que o futuro museu de Kiev tenha um conteúdo
menos cruel, números menores de vítimas e seu término seja realmente 2022.
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