Coisas interessantes estão acontecendo no Líbano. Ninguém entendeu muito bem o incidente na fronteira com Israel na semana retrasada, mas os acontecimentos desta semana parecem jogar alguma luz sobre o porquê do incidente.
Como primeira consequência do tiroteio e a presença de jornalistas da Reuters no local, o congresso americano mandou supender a ajuda militar prometida por Obama, da qual eu falei na semana passada, até que fique esclarecido o envolvimento da Hizbullah no governo libanês. Mas esta não é a maior preocupação do grupo terrorista pois o Irã já avisou que suprirá qualquer ajuda que não vier dos Estados Unidos.
O tribunal das Nações Unidas que está investigando o assassinato do primeiro ministro libanês Rafik Hariri em 2005 está apontando o dedo em direção à Hizbullah como mandante do crime. E o Líbano está fervendo. O potencial para uma nova guerra civil é enorme. O próprio assassinato de Hariri há 5 anos atrás quase provocou uma revolução.
A situação é tão louca que o filho de Hariri, Saad, que hoje é o primeiro ministro libanês, está correndo o mundo para defender a Hizbullah, os prováveis assassinos de seu pai, e adiar o anúncio do tribunal. Saad Hariri sabe que precisa evitar a qualquer custo o impacto incendiário que esta conclusão inevitável terá na colcha de retalhos que é o Líbano.
Mas aí, Hassan Nasrallah, o grande cacique da Hizbullah, vai à televisão libanesa na segunda-feira à noite e acusa quem do assassinato de Hariri? Vamos ver se vocês conseguem adivinhar.
Acertaram: ele acusa Israel. O governo de Netanyahu disse ser ridículo para Nasrallah, cinco anos depois, tentar culpar Israel. Outros oficiais do governo também ridicularizaram Nasrallah.
Mas a transmissão de segunda-feira não teve apenas o propósito de culpar o estado judeu, mais uma vez. O verdadeiro propósito, que a meu ver foi atingido por Nasrallah, foi o de plantar a dúvida entre os libaneses e fazer com que o governo de Saad Hariri suspenda toda a cooperação com o tribunal da ONU.
Por outro lado, Nasrallah aproveitou a oportunidade para lembrar dos grandes feitos da Hizbullah contra Israel.
Assim, ele dedicou a maior parte de seu discurso à emboscada em 1997 que deixou 12 soldados israelenses de elite mortos. Nasrallah disse que a morte de tantos comandos em uma só emboscada, foi o começo do fim da ocupação de Israel do sul do Líbano e da zona de segurança.
Nasrallah se vangloriou que esta intercepção sangrenta representou um sucesso glorioso de inteligência e operação para sua organização. As explosões que pegaram os comandos de surpresa e a suposta batalha que se seguiu com o massacre dos judeus são uma prova de seu heroismo e habilidade. Francamente, sua motivação para relembrar a emboscada de 1997 foi para demonstrar que não há outro líder no Líbano que possa enfrentar o inimigo sionista e portanto proteger o país, e que ele é unicamente valioso e deve ser protegido de qualquer acusação do assassinato de Hariri.
Nasrallah também esperou, com seu discurso, abrir uma velha ferida em Israel. E conseguiu. Logo depois da transmissão, um debate resurgiu em Israel de como exatamente a Hizbullah sabia da operação e de onde e quando colocar os explosivos que matou os comandos. O general da reserva Gabi Ofir, que investigou o incidente, insistiu que foi pura coincidência.
Mas a transmissão de Nasrallah incluiu a sequencia de um filme alegadamente gravado por um avião israelense operado por controle remoto. O filme, que deveria ter sido encriptado, não o foi e a falha foi rotulada de escandalosa pela mídia israelense.
A ênfase que Nasrallah colocou na bravura, determinação e importância da Hizbullah teve ainda um outro propósito. Ele quis reforçar a percepção de fraqueza de Israel, talvez em preparação para uma outra guerra.
Mas o que pareceu preocupar os israelenses são outros incidentes que mostraram sua vulnerabilidade. Como o do navio INS Hanit que foi bombardeado pela Hizbullah na segunda guerra do Líbano causando a morte de 4 marinheiros. Ou um mês antes quando a unidade de Gilad Shalit foi atacada pelo Hamas e ele levado ao cativeiro. Ou ultimamente, como comandos de elite de Israel puderam apanhar de mercenários à bordo do Mavi Marmara.
Todos estes incidentes são resultados de apenas um pecado original: o de subestimar o inimigo.
O chefe de estado maior das forças armadas israelenses Gabi Ashkenazi, em seu testemunho perante a comissão Turkel, disse na quarta-feira que o exército não tinha informações suficientes sobre os extremistas que estavam à bordo do Mavi Marmara e que o grupo IHH não estava na lista de prioridades. O mesmo foi dito por seu predecessor Dan Halutz sobre o sequestro de Gilad Shalit: que o exército não esperava uma operação deste tipo do Hamas. E depois sobre o INS Hanit: Halutz não esperava que a Hizbullah tivesse mísseis C-802 iranianos que pudessem acertar o navio.
Em 1997, Israel também não acreditava que a Hizbullah pudesse ter a capacidade de interceptar filmes gravados por aviões israelenses de reconhecimento que não haviam sido encriptados, apesar do processo ser relativamente fácil.
“Não nos demos conta, não acreditamos, não sabíamos... Mas provavelmente Israel deveria saber. Não foi a falta de inteligência e informação. Foi a falta de querer acreditar nelas e de subestimar o inimigo.
Se o incidente da semana retrasada na fronteira tivesse sido bem sucedido, teria dado a Nasrallah mais motivo para ser reconhecido como líder de fato e protetor do Líbano.
Em vez de sempre esperar pelo melhor, Israel deveria estar melhor preparada para o pior, em cada um destes terríveis incidentes. Certamente, Israel deveria reconhecer a crueldade do inimigo, inspirado pelo Irã e sua Guarda Revolucionária, que age inescrupulosamente e sem qualquer misericórdia.
A própria sobrevivência de Israel requer que ela internalize a malevolencia com a qual o Irã está trabalhando para alcançar seu objetivo declarado de destruir Israel, diretamente e através da Hizbullah e do Hamas.
Assim, podemos ridicularizar Nasrallah e chamá-lo de assassino cruel, confinado a seu bunker, atirando para todos os lados quando as paredes se fecham ao seu redor. Mas especialmente Israel precisa pensar melhor. Israel precisa sempre ter em mente que Nasrallah não é Nasrallah mas um representante do Irã. Que o Irã nunca ficará satisfeito até a total destruição física de Israel. E nesta situação, nunca se pode esperar pelo melhor mas estar sempre preparado para o pior. E para isto, nunca, nunca, se pode subestimar o inimigo.
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